A falta de produção nacional de medicamento com BCG (bacilo de calmette e guérin) obriga hospitais a substituírem o tratamento para câncer de bexiga por alternativas que não têm a mesma eficácia para certos estágios da doença.
A medida é necessária devido à paralisação de uma fábrica da FAP (Fundação Ataulpho de Paiva), no bairro São Cristóvão, no Rio de Janeiro, em novembro de 2021.
A interrupção da produção ocorreu de forma voluntária após inspeção da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Em junho deste ano, a fundação assinou acordo com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) com o intuito de retomar a produção. O IBMP (Instituto de Biologia Molecular do Paraná) se tornou mantenedor da FAP e assumiu o controle institucional.
A organização privada, sem fins lucrativos e de caráter filantrópico, também é a única produtora nacional da vacina BCG, utilizada contra tuberculose, e tenta retomar as atividades com apoio da Fiocruz.
O medicamento é indicado para casos não músculo invasivos, quando o tumor fica restrito à mucosa da bexiga e pode ser retirado, porém com alto risco de recidiva. A aplicação pós-operatória evita a recorrência, progressão da doença e remoção parcial ou total do órgão.
O fármaco usado como substituto é o quimioterápico gencitabina, prescrito nos casos com risco baixo ou intermediário, mas adotado também nos quadros de alto risco nas instituições do projeto Cabem Mais Vidas.
A iniciativa é composta por quatro hospitais do ABC Paulista especializados em tratamento do câncer de bexiga pelo SUS(Sistema Único de Saúde). Juntos, somam cerca de 250 pacientes, metade deles aptos à aplicação do BCG, segundo o médico urologista Fernando Korkes, fundador e coordenador do projeto.
“[O BCG] É considerado o medicamento de excelência”, afirma ele, que também é coordenador do serviço de uro-oncologia da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC).
No tratamento, o paciente precisa cumprir a fase de indução, na qual o BCG é aplicado de forma intravesical diretamente na bexiga por meio de um cateter durante seis semanas, e, posteriormente, na fase de manutenção, um período de um a três anos.
A gencitabina também é usada no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. O coordenador do serviço de urologia, Cláudio Borges, afirma que a ausência do medicamento não é nova nas instituições públicas.
Também é a realidade dos 32 hospitais da Associação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer. Eles respondem por 30% dos atendimentos oncológicos via SUS no país e o custo da importação é fator limitante, segundo o diretor-presidente, Pascoal Marracini.
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Conforme o Ministério da Saúde, medicamentos para tratamento da doença devem ser padronizados, adquiridos e fornecidos pelos estabelecimentos de saúde habilitados em oncologia, que são ressarcidos conforme o código do procedimento. Além da gencitabina, a pasta cita que há alternativas, como doxorrubicina e mitomicina C.
Para o câncer de bexiga com alto risco de recidiva, a médica Mariane Dias, da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), afirma que o uso de outras substâncias não são tão eficazes quanto o BCG.
Borges indica esperança de normalização do fornecimento nos próximos meses a partir da compra do Urohipe BCG, medicamento produzido pelo laboratório indiano Serum Institute, importado pela Uno Healthcare –que possui registro da marca na Anvisa.
Segundo a empresa, as primeiras doses chegaram ao Brasil em abril e uma segunda remessa deve chegar ainda neste ano. Apesar disso, indica que há estoque do medicamento no país.
A aquisição foi realizada pelo Inca (Instituto Nacional do Câncer), que recebeu a primeira remessa em agosto. O Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo) também começou a receber a medicação no mesmo mês.
Na ausência de BCG, pacientes elegíveis eram encaminhados para protocolos de pesquisa com novos imunoterápicos. Outros foram monitorados e tratados conforme o surgimento de novos tumores. “A gente vai ver os impactos [da falta de BCG] mais na frente”, afirma Leopoldo Filho, coordenador do grupo de câncer de bexiga do Icesp.
Problemas com a falta do fármaco não são exclusivos do Brasil, mas foram acentuados sem produção nacional, afirma Ubirajara Ferreira, coordenador do Departamento de Uro-Oncologia da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia). Ele estima que cerca de 30% dos casos demandam o uso da imunoterapia.
O Inca projeta 11,3 mil novos casos da doença neste ano, sendo o 12º mais frequente tipo de câncer se excluídos os tumores de pele não melanoma. A incidência é maior entre os homens, com 7.870 ocorrências.
O A.C.Camargo Cancer Center, hospital privado sem fins lucrativos, recorreu à importação direta da Inglaterra e Índia com autorização de caráter excepcional pela Anvisa, afirma o líder do Centro de Referência em Tumores Urológicos do hospital, Stênio Zequi.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados), composta por 122 instituições, afirmou que os associados não possuem dificuldades para adquirir a imunoterapia.
Em nota, a Fiocruz afirma que “vai atuar em planos de recuperação de curto e médio prazos da FAP”.
“A retomada das obras da fábrica em Xerém faz parte de uma estratégia de médio prazo, que incluirá novo projeto e consultoria técnica de Bio-Manguinhos/Fiocruz, com previsão de finalização de dois a três anos. O projeto está em fase inicial de elaboração e a FAP tem direcionado seus esforços na estratégia de curto prazo para a retomada da produção da vacina nacional de BCG”, completa o texto.
Folha