Foram quase cinco anos entre a contratação do software FirstMile pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a operação da Polícia Federal desta sexta-feira (20), que apura suspeita de uso do sistema para rastreamento ilegal durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O contrato para uso foi fechado no fim do governo Michel Temer (MDB), e a Abin confirmou o uso da ferramenta até 2021. Já neste ano, a corregedoria da agência abriu um procedimento para apurar o caso.
Confira abaixo a cronologia:
O software FirstMile foi comprado da empresa Cognyte pela Abin no final de 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB), por R$ 5,7 milhões
Segundo a Abin, o uso da tecnologia começou em 26 de dezembro daquele ano, a cinco dias da posse do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
Ainda de acordo com a agência, o programa foi utilizado durante o governo Bolsonaro por cerca de dois anos e quatro meses, até o dia 8 de maio de 2021, quando o contrato com a empresa foi encerrado. Durante a maior parte do governo Bolsonaro, a Abin foi comandada por Alexandre Ramagem, eleito em 2022 deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro
Em 23 de fevereiro deste ano, conforme a Abin, a corregedoria do órgão abriu uma investigação interna para “verificar a regularidade do uso do sistema de geolocalização”. Essa apuração foi concluída em 21 de março e, segundo a agência, foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Polícia Federal
Uma semana antes do término da sindicância interna, em 14 de março deste ano, reportagem do jornal “O Globo” revelou a existência do software espião e seu uso durante o governo Bolsonaro
Após a reportagem, em 23 de março, o ministro do STF Alexandre de Moraes instaurou uma investigação sobre o uso do FirstMile, no âmbito do inquérito das fake news — que apura ameaças aos integrantes da Corte. O magistrado determinou que a Abin entregasse a lista de pessoas vigiadas e o resultado da sindicância interna concluída pelo órgão
Em 31 de março, a Procuradoria-Geral da República (PGR), sob a gestão do ex-procurador-geral Augusto Aras, pediu o arquivamento da investigação por considerar que ela foi aberta com base em notícia de jornal e não deveria tramitar no STF. A investigação prosseguiu e foram realizadas diligências, como quebras de sigilo de e-mails
Um novo procedimento foi instaurado no STF, relacionado ao anterior. A Polícia Federal pediu a Moraes autorização para cumprir mandados de busca e apreensão e de prisão de dois agentes da Abin. A operação foi autorizada e realizada nesta sexta-feira (20). Cinco servidores do órgão foram afastados dos cargos
O FirstMile é um software de tecnologia israelense, fornecido pela Cognyte, cuja principal função é apontar a localização geográfica aproximada de alvos monitorados, a partir do celular deles, com base nos sinais emitidos pelas antenas (ERBs) espalhadas pelo país.
É possível ver o histórico de deslocamentos e criar alertas para movimentações de determinadas pessoas.
Segundo o jornalista César Tralli, da TV Globo, investigadores afirmaram que o esquema incluiu um uso “sistemático” da ferramenta durante o período eleitoral e um “cerco ao STF”.
De acordo com um desses interlocutores, durante meses, a espionagem eletrônica rastreou “centenas de celulares” de quem frequentava o STF.
Além dos servidores do tribunal, foram monitorados advogados, policiais, jornalistas e os próprios ministros. A investigação identificou 33 mil acessos da localização telefônica dos mais diversos alvos.
A operação desta sexta foi foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A apuração começou em março como parte do inquérito das fake news. Os detalhes são mantidos em sigilo.
A TV Globo e a GloboNews apuraram que:
além das buscas, Moraes determinou o afastamento do cargo de diretores atuais da Abin – que foram mantidos nos postos mesmo após a troca de governo;
com um desses diretores, Paulo Maurício, a PF apreendeu grande quantidade de dólares;
foram presos dois servidores que, por terem conhecimento do suposto esquema, coagiram colegas para evitar uma possível demissão: Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky;
Bolsonaro e Ramagem não são alvos dos mandados;
a fabricante do software tem um escritório em Florianópolis (SC), que também foi alvo de buscas.
Em nota após a operação, a Abin informou que instaurou um procedimento para apurar a questão, que todas as solicitações da PF e do STF foram atendidas integralmente, e que colaborou com as investigações desde o início.
Ainda segundo a agência, o software deixou de ser usado em maio de 2021. Veja íntegra abaixo:
A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) informa que, em 23 de fevereiro de 2023, a Corregedoria-Geral da ABIN concluiu Correição Extraordinária para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização adquirido pelo órgão em dezembro de 2018.
A partir das conclusões dessa correição, foi instaurada sindicância investigativa em 21 de março de 2023. Desde então, as informações apuradas nessa sindicância interna vêm sendo repassadas pela ABIN para os órgãos competentes, como Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal.
Todas as requisições da Policia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmete atendidas pela ABIN. A Agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações.
A ABIN vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados.
A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da ABIN reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito.
Créditos: G1.