Gigante do varejo brasileiro, o Magazine Luiza parecia voar em céu de brigadeiro em meados de 2020, em meio ao “boom” do comércio eletrônico no início da pandemia de Covid-19. No dia 5 de novembro daquele ano, as ações da companhia no pregão da Bolsa de Valores do Brasil (B3) foram negociadas a R$ 27,40, de acordo com levantamento do consultor de dados de mercado Einar Rivero.
Quase três anos depois da máxima histórica, no pregão de 6 de outubro de 2023, os papéis do Magalu eram vendidos por R$ 1,78, o que significa um derretimento de 93,5% em um período de 35 meses. Também foi o menor patamar em seis anos, desde dezembro de 2017.
“Para a ação chegar ao topo histórico, lá atrás, havia um cenário perfeito para o setor de varejo. Houve uma mudança cultural de comportamento do consumidor, com o uso muito maior do e-commerce do que das lojas físicas tradicionais. A empresa estava com uma estrutura mais bem montada para atender esse movimento. O Magalu estava pronto para surfar aquela tempestade perfeita e capitalizar”, explica Hugo Queiroz, especialista em investimentos e diretor de Corporate Advisory da L4 Capital.
Em três anos, observa Queiroz, muita coisa mudou tanto no mercado varejista quanto no cenário macroeconômico. “Viu-se que continuou aumentando o consumo por plataformas digitais, mas ainda usando boa parte do varejo tradicional. Nesse período, o cenário macroeconômico se deteriorou muito em termos de inflação e taxa de juros. Isso piorou o ambiente de consumo porque o crédito ficou mais caro e a maior parte das compras é a prazo”, diz.
“A competição também ficou mais feroz. Outros players se estruturaram muito rapidamente e se capitalizaram mais, como o Mercado Livre e a Amazon. O Magalu teve a possibilidade de surfar nessa onda, mas não conseguiu manter a mesma força dos concorrentes”, prossegue Queiroz.
Desconfiança do mercado
A desconfiança dos investidores em relação ao Magalu aumentou diante dos resultados decepcionantes dos dois primeiros trimestres deste ano. Entre janeiro e março de 2023, a empresa acumulou um prejuízo líquido de de R$ 391,2 milhões – um aumento de 142,5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o saldo negativo foi de R$ 161,3 milhões.
Já no segundo trimestre, o prejuízo líquido foi de R$ 301,7 milhões, subindo 123% em relação ao período entre abril e junho de 2022 (quando a companhia havia ficado no vermelho em R$ 135 milhões).
Para piorar, em agosto deste ano, a S&P Global – uma das três maiores agências de classificação de risco do mundo – reduziu a nota de crédito nacional do Magalu, que passou de “brAA+” para “brAA-”, com perspectiva negativa mantida.
Segundo a agência, o corte da nota de crédito se deve a patamares de alavancagem acima do esperado. Atualmente, o setor de varejo no país vive um momento difícil, impactado, principalmente, pela alta carga tributária.
A alavancagem é o uso de determinados recursos para aproveitar oportunidades de multiplicar os resultados. Em linhas gerais, ela funciona como um limite de crédito, possibilitando investimentos de valores maiores do que se tem em conta, o que gera algum endividamento.
Segundo os analistas da S&P, o processo de desalavancagem do Magazine Luiza deve durar mais do que o esperado inicialmente, diante das dificuldades do varejo.
“Na questão interna, o Magalu teve alguns desafios adicionais. Houve alguns movimentos erráticos. A compra do Kabum (em julho de 2021, por R$ 3,5 bilhões, em operação contestada na Justiça) não foi das mais acertadas e gerou um ruído interno de governança. Isso também influenciou nessa revisão por parte do mercado”, afirma Hugo Queiroz.
“A pressão sobre as ações tem continuado porque o ambiente macroeconômico permanece desafiador. Os juros caíram, mas ainda continuam em um patamar elevado. As pessoas ainda estão endividadas. E o ambiente competitivo segue acirrado”, explica o analista.
Dificuldades do varejo
Segundo Queiroz, trata-se de um momento especialmente desafiador para o comércio varejista do Brasil, como um todo, e não apenas para o Magazine Luiza. “Há outros segmentos, como vestuário e material de construção, que têm sentido bastante o peso do ambiente macroeconômico nas suas vendas e no ritmo de crescimento”, diz.
Em agosto, as vendas do varejo brasileiro avançaram 0,7%, na comparação com julho, uma alta ainda tímida para compensar perdas recentes. “De modo geral, esse resultado vem após três meses com números próximos de zero e, apesar da melhora no quadro geral, ainda não indica um crescimento consistente”, afirma Marco Caruso, economista-chefe do PicPay.
João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, tem avaliação semelhante. “Para os próximos meses, as perspectivas seguem desafiadoras para o comércio. Dos fatores limitadores, temos o crédito caro e alto endividamento das famílias. Já entre os fatores que dão suporte ao varejo, se destacam o processo de desinflação, especialmente de alimentos e bens industriais, e o mercado de trabalho apertado”, diz.
Para Hugo Queiroz, as ações do Magalu não voltarão tão cedo ao patamar alcançado em meados de 2020, mas devem se estabilizar em um nível superior ao atual.
“Para aquele patamar de 2020, no topo histórico, dificilmente as ações do Magalu voltarão nos próximos cinco anos, salvo se houver uma mudança absurda em termos macroeconômicos e do próprio setor de varejo, o que é improvável”, afirma.
“No curto e médio prazo, porém, vislumbro a companhia melhor do que a grande maioria dos concorrentes. Mas não será a referência que foi no passado. A empresa tem alguns desafios de gestão e execução interna. O mercado vai aguardar essas entregas para poder beneficiar a ação em termos de valorização adicional”, conclui Queiroz.
Procurado pela reportagem do Metrópoles, o Magazine Luiza informou que não se manifestaria.