O Brasil está no topo de um ranking que avalia o impacto das contas de luz no orçamento dos consumidores em comparação com 33 nações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o chamado “clube dos ricos”. De acordo com um levantamento elaborado pela Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres), os brasileiros comprometem, em média, 4,54% de sua geração de riqueza anual com o pagamento da tarifa residencial, o maior valor entre os países analisados.
Essa porcentagem está significativamente acima das nações europeias, como Espanha (2,85%), Alemanha (1,72%) e Luxemburgo (0,35%). Também é superior à de economias emergentes, como Chile (2,65%) e Costa Rica (2,76%).
A análise considerou as tarifas residenciais de 2022, com base nos dados da Agência Internacional de Energia, e o PIB per capita calculado pelo FMI para o mesmo ano.
Victor Hugo iOcca, diretor de Energia da Abrace, destacou a necessidade de reavaliar os custos no setor elétrico brasileiro. De acordo com ele, o levantamento “demonstra que precisamos rediscutir os custos no setor elétrico brasileiro, porque ele está distorcido para os consumidores locais em comparação aos de outros países quando consideramos a renda”, disse em entrevista à Folha de São Paulo publicada nesta segunda (9).
O brasileiro pagou, em média, US$ 34 (R$ 176,50) por 200 kWh no ano passado, um valor próximo ao desembolsado pelo polonês, que foi de US$ 34,39 (R$ 178,50). No entanto, a renda per capita no Brasil estava em torno de US$ 9 mil (R$ 46,7 mil), enquanto na Polônia era o dobro, US$ 18 mil (R$ 93,4 mil), resultando em uma parcela menor da renda comprometida, 2,26%.
O estudo também destacou que a Turquia, com um PIB per capita próximo ao do Brasil (cerca de US$ 10 mil ou R$ 51,9 mil), teve um custo de energia quase pela metade do brasileiro, US$ 17,90 (R$ 93), representando 2% da renda.
Os especialistas da Abrace ressaltaram que a variação no custo da tarifa depende das fontes de energia utilizadas. Enquanto as energias renováveis estão se tornando mais competitivas, fontes como carvão, nuclear e gás natural tornaram-se mais caras, devido também a fatores geopolíticos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, que pressionou os preços do gás.
No entanto, a matriz energética brasileira é baseada na geração hidrelétrica, o que não ajudou a baratear a conta de luz. No Canadá, por exemplo, que também tem uma produção semelhante – cerca de 60% – a conta em 2022 custou US$ 10 (R$ 51,91), enquanto que no Brasil foi de US$ 24 (R$ 124,60), segundo a Abrace. Os canadenses tiveram um impacto de apenas 0,54% na renda.
Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Energia, enfatizou que os tributos e subsídios, que já representam 40% do preço final, sobrecarregam a conta de luz e afetam o custo de vida dos brasileiros. “O ranking mostra como esse custo chega nas pessoas pela conta de luz, mas ele também está no preço de tudo que é fabricado no Brasil. O comprometimento da renda é muito maior”, completou.
A conta de luz, no entanto, poderia estar ainda mais pesada para o bolso dos brasileiros. Desde abril do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está praticando a bandeira tarifária verde, sem custos extras de cobrança. Isso ocorre por conta das condições favoráveis de geração hidrelétrica.
“A energia gerada está mais barata. Tem chovido mais nos reservatórios, e aí podemos contar com as hidrelétricas, que possuem um custo de geração mais baixo do que outras fontes. Isso sem falar do avanço das usinas eólicas e solares, sobretudo no Nordeste do país”, disse Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel.
A expectativa é de que a bandeira tarifária siga verde até o final do ano.
Pesquisas anteriores já evidenciaram a dificuldade dos brasileiros em lidar com os gastos adicionais na conta de energia. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha para a Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia) revelou que 72% dos brasileiros abriram mão de comprar itens básicos para pagar a conta de luz, e 40% admitiram ter deixado de pagar a conta em algum momento no ano anterior.
Os principais componentes da cobrança da conta de luz incluem o custo de energia (32,48%), transmissão e distribuição (27,38%), tributos (17,00%), encargos (15,92%), perdas técnicas (3,61%), furto de energia (1,98%) e iluminação pública (1,54%).
Já os subsídios pesam no bolso dos brasileiros em R$ 33,42 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético; R$ 12,6 bilhões para a Conta de Reserva, que o consumidor paga para garantir a segurança do sistema; R$ 6,8 bilhões para cobrir perdas não técnicas, como furtos de energia do sistema, R$ 5,34 bilhões para a iluminação pública das cidades, entre outros.