Após sinalizar que poderia assumir a presidência da Câmara dos Deputados dos EUA para tentar unificar o Partido Republicano em meio ao caótico cenário criado pela deposição de Kevin McCarthy no começo da semana, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump recuou e declarou apoio ao deputado Jim Jordan nesta sexta-feira – em mais um episódio da novela que se tornou a decisão republicana de escolher um novo líder na Casa Legislativa.
Um dia depois de declarar que poderia assumir o cargo por um “curto período” — e dois dias depois de negar a intenção de ocupar a função —, Trump declarou seu apoio a Jordan, deputado de Ohio que atualmente é presidente do Comitê Judiciário da Câmara, em uma publicação na Truth Social.
“Ele é FORTE [no combate ao] crime, na [questão da] fronteira, no [apoio aos] nossos militares/veteranos e na [defesa da] 2ª Emenda. Jim, sua esposa, Polly, e sua família são excelentes — ele será um GRANDE presidente da Câmara e tem meu endosso completo e total!”, escreveu o ex-presidente, lembrando que concedeu a Medalha Presidencial da Liberdade ao deputado enquanto estava na Casa Branca.
A deposição de Kevin McCarthy da Presidência da Câmara expôs em detalhes as divisões internas do Partido Republicano. Com uma pequena maioria que garante ao partido o controle da Câmara baixa do Congresso, uma pequena dissidência liderada pelo deputado Matt Gaetz, da Flórida, foi suficiente para derrubar McCarthy do cargo na terça-feira, após uma negociação bipartidária que impediu um “apagão” no financiamento do governo Biden — algo que irritou a ala republicana mais radical, que pretendia impor condições mais custosas aos democratas.
A facilidade para derrubar o ex-presidente da Câmara, no entanto, é inversamente proporcional ao processo para escolher seu sucessor. A eleição do próprio McCarthy, em janeiro, só ocorreu depois de votações sucessivas e negociações nos bastidores para tentar agradar cada uma das facções do partido. Até a indicação de apoio de Trump a Jordan, por exemplo, o deputado de Ohio sequer aparecia entre os nomes mencionados como possíveis lideranças na Câmara.
Foi diante do imediato impasse iniciado com a deposição que alguns deputados mais radicais tentaram emplacar o nome do ex-presidente Donald Trump para assumir à Casa Legislativa e unificar o partido. Embora Trump não seja deputado, os apoiadores de sua candidatura apontaram uma brecha regulamentar, uma vez que a Constituição dos EUA não obriga que o presidente da Câmara seja um deputado eleito — apesar de, em toda a História americana, nunca ter havido um líder da Casa sem mandato.
Sistema de recompensas da desordem
Enquanto era apontado como a possível figura messiânica a juntar as diferentes frentes do partido na Câmara, Trump comparecia como réu em um tribunal de Nova York, onde responde a um processo por supostamente inflar e diminuir o valor de suas empresas intencionalmente para obter vantagens comerciais.
Em uma análise no The New York Times, o repórter Michael C. Bender aponta que os acontecimentos da semana ilustran como o Partido Republicano está sujeito a um “sistema de recompensas” diferente da política tradicional, que surgiu da desordem na legenda, premiando o extremismo de seus membros.
“A maneira de ascender como republicano é, primeiro, demonstrar devoção inflexível ao Sr. Trump e, depois, segundo, abraçar alguma mistura de autopromoção implacável, oposição militante aos democratas e uma disposição de queimar o governo federal até o fim – mesmo que isso signifique derrubar o partido também”, afirmou Bender.
Bender cita o depoimento do ex-assessor do deputado Eric Cantor, líder da maioria republicana que perdeu o posto em 2014, Doug Heye. Em entrevista ao repórter americano, Heye afirma que os quadros do partido estão cada vez mais fechados em seus próprios pensamentos, dialogando cada vez menos com o público geral.
“Enquanto você estiver falando sobre lutar – independentemente de você tem uma estratégia de acertar um soco ou vencer um round – você nunca precisa realmente vencer [eleições], porque é isso que chama mais atenção [a ideia da luta]”, disse Heye. “Isso significa que os republicanos agora estão sempre conversando entre si, e com o resto do país ou não nos envolvemos ou desprezamos”, declarou.
A valorização de uma espécie de purismo ideológico conservador vem quebrando barreiras que prejudicam o próprio partido. A deposição de McCarthy, a primeira na História moderna do país, contou com oito votos republicanos e foi iniciado por um deputado da sigla.
O próprio discurso de Trump — figura mais popular do partido, que lidera as intenções de voto presidencial para 2024 — reforça essa linha-dura. Mesmo depois de dezenas de acusações criminais, Trump se coloca como vítima de perseguição política e prometendo vingança contra seus supostos inimigos — retórica que ampliou seu favoritismo nas urnas.
As táticas reuniram a sua base de apoiantes e não há nada que sugira que ele mudará essa estratégia à medida que as datas dos seus julgamentos colidirem com alguns dos marcos mais importantes do calendário das primárias republicanas.
Na Câmara, enquanto os deputados republicanos não chegarem a um acordo e unificarem posição, a pauta permanecerá suspensa, ameaçando a continuidade das atividades regulares do governo americano.
Créditos: O Globo.