Uma das pragas mais fortes e predadora, os bandos de javalis e seus cruzamentos circulam livres por todas as principais regiões agrícolas do país; Lavouras são destruídas em quase 40% da área. E agora?
Dados sobre a ocorrência de javalis e javaporcos (cruzamento com o suíno doméstico) pelo país não são atualizados no Simaf (Sistema de Informação de Manejo de Fauna) desde agosto de 2021, quando foi publicado o último boletim informativo. Enquanto faltam números oficiais, no entanto, sobram relatos de avistamento do porco selvagem, nativo da Ásia, da Europa e do norte da África, e de estragos em lavouras.
Levantamento recente de um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros apontou que a presença do animal triplicou nos últimos dez anos, atingindo estados livres da invasão até então, como Pará e Pernambuco. Destruição em algumas áreas de lavoura chegam a 40%, conforme o relato dos agricultores que travam uma batalha sem fim contra essa praga que não tem predador natural no Brasil.
Conforme o estudo, 1.152 municípios reportaram avistamentos em 2022, com destaque para as regiões Sul e Sudeste. Em 2012, há dez anos, eram 370 municípios.
No país, a disseminação acelerada da espécie acontece desde o início da década de 1990. O biólogo Carlos Salvador, um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, lembra que, embora a caça esportiva seja proibida no Brasil, há uma exceção para o abate do javali, autorizado pelo Ibama desde 2013 para o controle da espécie.
Na visão dele, porém, ironicamente, isso vem contribuindo para a difusão do javali, pelo interesse de locais que exploram a caça esportiva. O transporte do animal vivo entre diferentes estados com a intenção de manter populações ao redor para caça recreativa agrava o problema, ele avalia.
“Hoje as coisas estão muito misturadas. Ficou difícil diferenciar caça de abate da esportiva. Existem pessoas que atrelam o pedido da autorização de controle à prática do esporte. Na interpretação deste grupo, o governo liberou geral”, diz. Com a prescrição do plano nacional, em 31 de dezembro, embora o abate continue autorizado pelo Ibama, o país fica em um limbo nas práticas de controle.
O instrumento organizava mais de 70 ações, com prazos para execução e custos definidos, distribuindo tarefas entre representantes de órgãos públicos federais e estaduais, universidades, sociedade civil e o setor rural. Sem o documento, portanto, o tema fica desorganizado no país.
Considerada uma das cem piores espécies invasoras do mundo, o javali também beneficia-se do baixo número de predadores na natureza. “Mais carnívoros nativos de grande porte, como onças, ajudariam bastante”, explica Salvador, que atuou como consultor do plano federal de manejo.
Fortes e resilientes, os bandos circulam livres por mosaicos agrícolas em busca de grãos, raízes, legumes e tubérculos, danificando lavouras. Milho é um dos alimentos favoritos. No povoado de Criúva, na serra gaúcha, agricultores que atuam como controladores nas horas livres perderam plantações de milho — e até bezerros — nos ataques.
“O javali é o novo rei da selva e não vemos mais luz no fim do túnel. Além disso, os controladores estão caçando menos por falta de tempo e por conta dos custos dos equipamentos, como as munições. A gente tem que arcar com tudo“, reclama Fernando Giordani, produtor que perdeu dois hectares de milho durante uma invasão no seu sítio.
Além das perdas agrícolas, o javali representa risco sanitário à suinocultura, já que pode carregar patógenos, como vírus, e transmiti-los aos porcos domésticos, criados em granjas. As pestes suínas (clássica e africana), doença de Aujeszky (pseudoraiva), febre aftosa e brucelose são algumas das patologias com potencial de dizimar plantéis caso haja contato entre uma espécie selvagem contaminada e o porco comercial.
A disseminação descontrolada também representa ameaça à saúde pública. O contato com o sangue no abate ou a ingestão da carne do animal não inspecionado podem transmitir zoonoses aos humanos. Um levantamento da Embrapa Suínos e Aves obtido com exclusividade pela Folha detectou densidades de cerca de 8 indivíduos por km na região fronteiriça com o Uruguai, no Rio Grande do Sul, e cerca de 5 indivíduos/km no oeste catarinense.
A Embrapa conduz o projeto de monitoramento sanitário Javali Fase 2 desde 2019. Para o biólogo Marcos Tortato, pesquisador associado da unidade da Embrapa, os números são relativamente altos, sobretudo se comparados à densidade de queixadas e catetos, os porcos nativos mais comuns do país. Santa Catarina, por exemplo, possui apenas três populações residuais de queixadas.
“Infelizmente, não podemos afirmar se estão declinando ou crescendo nessas regiões porque não temos outras estimativas”, explica o pesquisador, ressaltando que a falta de dados dificulta o manejo.
Para ele, a ausência de um plano de contingência é outra limitação do país, assim como a perda da biodiversidade. Já para os controladores, o plano de manejo concentrou a responsabilidade em resolver o problema no grupo, que reclama apoio.
“Só temos despesas e somos poucos para dar conta de tantos javalis”, frisa o zootecnista Leonardo Tedesco, de Veranópolis (RS). Apenas entre janeiro e agosto de 2021, o grupo abateu 333 mil indivíduos por todo o país.
Além do Rio Grande do Sul, onde aconteceram as primeiras dispersões do javali, produtores de Mato Grosso do Sul também relatam dificuldades. Um pecuarista do estado que preferiu não se identificar contou que perdeu 80 hectares de milho para silagem, no ano passado, quando varas (bandos) de javalis atacaram o cultivo.
Em Pindamonhangaba (SP), o agricultor Henrique Pereira colheu 29 carretas de milho, quando previa colher 33 no ano passado. Ele calcula a perda de seis toneladas do grão em ataques noturnos à lavoura.
Apesar da devastação nos sítios, ataques a humanos são raros, afirmam cientistas. Ocorrem apenas quando o animal é encurralado, ameaçado ou alguém aproxima-se de fêmeas com filhotes.
Compre Rural com informações da Folha de São Paulo