Em andamento, mas com a prova objetiva anulada por suspeita fraude, o concurso para preencher duas mil vagas de soldados da Polícia Militar do Rio traz em seu edital uma informação pioneira. Pela primeira vez, a corporação dá direito a candidatos transgêneros, travestis e transexuais a usarem seus nomes sociais. A medida atende ao Decreto Federal 8.727, de 28 de abril de 2016, que regulamenta a identidade de gênero das pessoas no âmbito da administração pública. Além da PM, a seleção da Polícia Civil para cargos de inspetor, investigador, perito, legista e técnico, que está na última fase, traz a mesma novidade.
Para optar pelo uso do nome social nos dois concursos, os candidatos que fizeram esta escolha precisaram preencher uma ficha onde se declararam travesti ou transexual. No mesmo documento, os interessados informaram como gostariam de ser chamados. Nos editais, há a informação de que, para a realização do Teste de Aptidão Física (TAF), no caso de transgêneros, será considerado o gênero informado no ato de inscrição, desde que já esteja no registro civil. Isso quer dizer que, caso um homem trans já tenha feito a readequação (troca do nome de nascimento pelo nome social) no documento de identificação, ele fará a prova com os outros candidatos do gênero masculino. O mesmo vale para a mulher trans.
‘Insuficiente’
Para o delegado da Polícia Civil de Brasília Anderson Cavichiolli, vice-presidente da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTQIA + (Renosp), apenas a inclusão do uso do nome social não é suficiente para que esses candidatos não sejam alvo de discriminação em processos seletivos.
— É um avanço, mas insuficiente. O ideal seria ter um sistema de cotas (para trans) nos concursos para forças de segurança, com critérios próprios — defende.
Robson Rodrigues, coronel da PM da reserva e antropólogo, diz que os editais dos concursos são um avanço. Ele frisa, no entanto, que isso não pode ficar apenas como uma mera formalidade.
— É um primeiro passo, uma visão de vanguarda. Mas é preciso adaptar a instituição para receber essas pessoas, que têm de ser tratadas com respeito e dignidade — alerta.
Tanto a Polícia Militar como a Polícia Civil alegaram não ter a informação do número de candidatos que optaram por serem chamados por nomes sociais em seus respectivos concursos, já que esses dados ficariam com as instituições organizadoras do processo seletivo. O EXTRA procurou o Instituto Brasileiro de Apoio e Desenvolvimento Executivo (Ibade), responsável pelo processo seletivo da PM, e a Fundação Getulio Vargas, que organizou a seleção da Polícia Civil, mas ambas não responderam. De acordo com as duas corporações, não há hoje em seus quadros policial que tenha feito a transição de gênero.
Enquanto isso, na Guarda Municipal do Rio, há um homem trans. Jordham Lessa, de 56 anos, entrou na corporação como mulher em 1998. Em 2015, quando já tinha um filho e uma família, ele começou a transição. Hoje, continua na corporação, tem três netos, é casado e escreveu um livro no qual conta sua trajetória.
— O livro fala de como é ser um homem trans com mais de 50 anos, sem antes ter tido esta vivência. Foi como cair ali de paraquedas, já sendo pai e avô, tendo família constituída — conta. — A transição foi a realização de um sonho porque sempre me vi como um homem. Mas o mais difícil foi a questão do nome. Tive que entrar com um pedido de requalificação, com outro nome e gênero. Fiz pela Defensoria Pública. Demorou três anos. Naquela época, era mais difícil. Agora, para fazer a troca, basta ir ao cartório e fazer uma autodeclaração.
O Corpo de Bombeiros informou que seus concursos já garantem os direitos de transexuais e travestis.
A prova objetiva da PM foi anulada por denúncias de que candidatos estariam usando celulares durante os exames. A nova data não foi marcada.
Créditos: EXTRA.