Um dos principais parceiros comerciais do Brasil, a Argentina está prestes a escolher seu novo presidente, em meio a uma crise econômica que se arrasta anos a fio.
As eleições, marcadas para o próximo dia 22 de outubro, têm como protagonistas três perfis completamente distintos — o ultradireitista Javier Milei, a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich e o atual ministro da Economia Sergio Massa.
Após o resultado das primárias se mostrar favorável à Milei, em movimento surpreendente, os discursos polêmicos do candidato ganharam holofote e passaram a ser motivo de preocupação, inclusive para o governo brasileiro.
“O Mercosul que está em risco, sobretudo pelo evento próximo que pode ocorrer no nosso principal parceiro comercial. Não se sabe o alcance da narrativa do candidato que lidera as pesquisas na Argentina”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no último dia 25.
Nas palavras de Milei, bloco é um “fracasso comercial”.
“Parece que o Mercosul não funciona e sou a favor de uma agenda de abertura unilateral. Uma vez concluídas as reformas associadas a esta abertura unilateral, não acredito que o governo administre o comércio”, disse, em entrevista à publicação inglesa The Economist.
Além do nome do La Libertad Avanza, Patricia Bullrich, segunda colocada nas primárias, também tem posicionamento distante ao do atual governo brasileiro. Inclusive, sua proposta para as relações exteriores se baseia num projeto que não envolve grande aprofundamento das relações de Buenos Aires com Brasília ou com os demais vizinhos
Enquanto isso, o candidato que mais estaria alinhado com os discursos de Lula, Sergio Massa segue em último lugar entre os principais na corrida presidencial, com chances relativamente pequenas de assumir o Executivo — mas não por falta de esforço.
Nos últimos meses, o atual ministro da Economia anunciou uma série de medidas populistas para angariar seguidores, que vão desde congelamento de preços nos combustíveis à isenção de pagamento de Imposto de Renda para cidadãos que recebem o equivalente a até R$ 25 mil por mês.
Alejandro Frenkel, professor de relações internacionais da Universidad Nacional de San Martín, em Buenos Aires, avalia que, ao contrário do que se espera, a relação comercial do país com o Brasil será mantida com a vitória de qualquer um dos candidatos.
“Acredito que, em termos gerais, a ligação da Argentina com o Brasil vai continuar sendo prioritária em termos comerciais, mas me parece que, com uma vitória de Milei, provavelmente deve ocorrer um conflito maior no nível político, e isso pode repercutir nas questões econômicas”, afirma.
Frenkel pondera que a política de livre comércio proposta por Milei pode significar, em alguns casos, “o ‘destrave’ de alguns conflitos ou polêmicas, o que sempre tendem a existir com o Brasil”.
Na visão do especialista, uma possível saída da Argentina do Mercosul teria “um custo muito alto”. Para Frenkel, em uma possível vitória de Milei, pautas de livre comércio entre os membros do bloco poderiam estimuladas pelo político.
“Não creio que a Argentina saia do Mercosul se Milei for presidente. Eu vejo uma coisa mais parecida com o que foi a política de Bolsonaro em relação ao Mercosul, ou seja, uma posição mais indiferente, de não dar importância ao bloco”, diz.
“Milei pode apenas promover uma agenda de negociações exteriores que envolvam a expansão ou flexibilização do bloco e que permitam que cada país assine acordos de livre comércio individualmente”.
No entanto, isso não eximiria o bloco de riscos, na visão do professor.
“Acredito que existem riscos em relação ao Mercosul, já que o bloco pode ser enfraquecido. Também pode haver uma desarticulação, pelo menos da União Aduaneira, além do retrocesso de uma zona de livre comércio e de um compromisso menor da Argentina com outras agendas do bloco”, analisa.
Mercosul-UE como “antídoto”
Uma das recentes afirmações de Fernando Haddad é de que o acordo com a União Europeia pode tornar o Mercosul mais atraente e servir como “antídoto” ao bloco na possibilidade da eleição de Milei.
“O acordo com União Europeia agora seria um antídoto contra medidas que pudessem desorganizar a região. A própria Europa está com dificuldade de enxergar o futuro com o que ocorreu nos últimos anos, sobretudo no último ano, sem uma parceria com a América do Sul”, disse o ministro.
Frenkel discorda. Para ele, o posicionamento “negacionista” de Milei em relação às mudanças climáticas pode, na realidade, gerar conflito nas relações do bloco com a União Europeia.
“Assim como a União Europeia apontou a posição negacionista — ou a política ambiental — de Bolsonaro como a razão pela qual não o acordo não avançou, o mesmo poderia acontecer no caso de Milei. Não creio que o acordo servirá como ‘antídoto’ para neutralizar Milei. Ao mesmo tempo, temos que saber se a União Europeia seria, de fato, a favor [do acordo] e também temos que ver se o Brasil está, de verdade, a favor”, avalia.
“Mas também existe o questionamento se esta é, de fato, a única razão pela qual a UE não quer avançar nas negociações, ou se também tem a ver com a pressão dos setores agrícolas europeus que podem temer questões de competitividade com os setores agrícolas exportadores do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai”, conclui.
Créditos: CNN.