Em suas últimas semanas no STF (Supremo Tribunal Federal), a ministra Rosa Weber combinou com colegas da Corte para deixar como legado seus votos em casos espinhosos, como a descriminalização do aborto e do porte de maconha e o marco temporal para terras indígenas.
A ministra se aposenta compulsoriamente no próximo dia 2 de outubro, ao completar 75 anos de idade, e deixa a presidência da Suprema Corte na próxima quinta-feira (28).
Ao registrar seus votos, Rosa impede seu sucessor de participar desses casos. Por enquanto, somente homens estão entre os favoritos para a cadeira da ministra.
Aborto: Suspensão do caso foi combinada
Na madrugada de sexta (22), Rosa deixou um longo e forte voto a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Logo em seguida, o julgamento foi suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso, próximo presidente da Corte.
A manobra foi combinada entre os dois. Rosa não conseguiria colocar o aborto para ser discutido em sessão presencial da Corte antes de se aposentar, já que as últimas semanas foram gastas debatendo o marco temporal para demarcação de terras indígenas e os casos dos primeiros réus dos atos golpistas do 8 de janeiro.
Decidiu então levar o caso ao plenário virtual, mas negociou com seu vice para ele pedir destaque e levar o processo para a discussão presencial, fórum que a própria Rosa considera adequado.
Como Barroso assume a presidência, caberá a ele a partir da semana que vem decidir quando o julgamento do aborto será retomado.Ainda não há, neste momento, uma data. Mesmo assim, o voto de Rosa continuará a ser contado.
Relatora do processo, Rosa defendeu a posição da autodeterminação da mulher e reforçou que a questão do aborto é um problema de saúde pública, sendo inclusive uma das quatro causas diretas de mortalidade materna. Para a ministra, a ilegalidade do procedimento provoca insegurança à mulher.
A criminalização do ato não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas que envolvem o aborto, como apontam as estatísticas e corroboraram os aportes informacionais produzidos na audiência pública. (Rosa Weber, presidente do STF, em voto sobre o aborto)
Esta não foi a primeira vez que Rosa se posicionou pró-aborto durante sua passagem no Supremo, mas foi o voto mais enfático e direto para descriminalizar a prática. Em 2012, a ministra já havia sido a favor do aborto para casos de fetos anencéfalos.
O entendimento firmado na ocasião é que a gravidez de um feto com anencefalia (falta de partes do cérebro) pode provocar complicações à saúde da mulher. Como o feto tende a ser natimorto, a interrupção da gravidez não poderia ser equiparada ao aborto.
Em 2016, Rosa também integrou a ala da 1ª Turma que não viu crime no aborto realizado nos primeiros três meses da gestação. A decisão, porém, foi restrita a um caso que tratava de uma clínica de aborto clandestina em Duque de Caxias (RJ).
Olhar para as consequências do problema e resolvê-lo com base em uma única lógica, a da continuidade forçada da gestação, em nome da tutela absoluta de único bem –nascituro– em um conflito policêntrico, não é o caminho. (Rosa Weber, presidente do STF)
Marco temporal e drogas
Outro caso emblemático para Rosa era o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A ministra havia prometido a lideranças indígenas que levaria o processo a julgamento na sua gestão —embora não tenha garantido a conclusão da discussão.
Em junho, quando André Mendonça pediu vista (mais tempo de análise), Rosa cobrou o colega que devolvesse o processo antes de sua saída. Na ocasião, Rosa disse que o tema era de imensa sensibilidade e, embora toda reflexão fosse oportuna, ela gostaria de votar antes de deixar o tribunal.
Na quinta (21), o STF derrubou a tese ruralista por nove votos a dois.
No caso da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, Rosa precisou adiantar o próprio voto ao perceber que o caso não voltaria ao plenário antes de sua aposentadoria. A discussão foi paralisada por Mendonça no final de agosto.
As nossas prisões estão cheias de meninos jovens, em sua maioria negros, pardos. A maior parte está lá em função do tráfico. Penso que o STF pode ajudar nessa solução. (Rosa Weber, ministra do STF)
Manobra impede sucessor de votar
Ao deixar os votos registrados, Rosa Weber garante que sua posição será contabilizada no Supremo e não poderá ser alterada por seu sucessor.
Rosa também levou outros casos sob sua relatoria ao plenário virtual nesta semana, como a ação que questiona os direitos políticos de Dilma Rousseff (PT) após o impeachment e o assédio judicial contra jornalistas.
Embora a ministra não deixe transparecer publicamente, ela já sinalizou a preferência de que sua cadeira fosse ocupada por uma mulher —algo considerado improvável no momento.
No ano passado, quando o então presidente eleito Lula (PT) esteve no Supremo para visitar os ministros, Rosa o levou para o hall de fotos de ex-integrantes da Corte e apontou para três fotos isoladas no local: a da ministra Ellen Gracie, já aposentada, a de Cármen Lúcia e dela própria. O tribunal teve somente três mulheres em sua composição até hoje.
Hoje, os mais cotados para sua vaga são o advogado-geral da União, Jorge Messias, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas.
Lula nunca se comprometeu em escolher uma mulher para a Corte. Em abril, o presidente afirmou que não daria “referência” de suas escolhas. “Se eu for responder o que você [jornalista] perguntou, eu estarei criando um compromisso que eu não quero criar agora.”
UOL