Local foi descoberto durante monitoramento policial que durou dois anos
Os exercícios de guerra acontecem em uma área que poderia servir de lazer para a comunidade, em uma quadra de futebol com piscina, ao lado de uma creche e de cinco escolas municipais, mas são de uso exclusivo dos criminosos.
– No momento que eles ficam próximos das escolas, eles ficam mais protegidos, já que a polícia vai ter maior dificuldade e até certo impedimento de atuar nessas regiões. A polícia não quer que nenhum inocente, principalmente criança, sofra um mal causado por esses traficantes – afirma o delegado Hilton Alonso.
O espaço de treinamento fica às margens da Baía de Guanabara e a poucos metros das três principais vias expressas que cortam a cidade: a Avenida Brasil, a Linha Amarela e a Linha Vermelha, caminho para o aeroporto internacional do Galeão, para Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e onde também há um batalhão da Polícia Militar.
A reportagem mostrou que os investigadores identificaram uma rotina, que começa com exercícios físicos. Na sequência, eles praticam posicionamentos e movimentos iguais aos das forças de segurança, com técnicas de progressão em terrenos conflagrados, reação à emboscadas e deslocamentos no escuro, muitas vezes com explosões de bombas para simular cenários de confrontos armados.
Após analisar as imagens, o especialista em segurança pública, Robson Rodrigues, afirmou que existe entre os criminosos uma racionalidade sobre proteger o território e se preparar.
– [O treinamento] acaba escalando os níveis de violência, porque para lidar com as forças de segurança, e muitas vezes as mais treinadas – que é o caso da CORE e do BOPE – você investe em determinado tipo de treinamento. E como resposta, a segurança pública também investe em mais treinamentos, mais arma, mais guerra. Isso não vai solucionar um problema. Com essas imagens, se você entender que você precisa ficar mais forte ainda, você deixa de investir num fator muito importante que é a inteligência, encontrar os melhores momentos e as melhores formas de controlar esse tipo de atividade – analisa Rodrigues, que foi comandante do batalhão da Polícia Militar na Maré e hoje faz parte do laboratório de análise da violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
As imagens também mostram vários pontos de venda de armas e drogas dentro da Maré. A comunidade funciona como um centro de distribuição para outros pontos do Rio. Numa sala havia cinco fuzis, uma arma de guerra de uso exclusivo das forças armadas e uma metralhadora calibre ponto 50, cujas balas podem perfurar veículos blindados e aeronaves. As investigações revelaram que, só na Maré, existem pelo menos cinco desse tipo.
A polícia também descobriu que, para fazer a segurança, os grupos utilizam um prédio dentro da comunidade como torre de vigilância dos acessos mais importantes. Em imagens, 11 homens armados aparecem em uma das calçadas do complexo. Outros faziam a escolta de uma fileira de carros roubados.
– O treinamento os protege e dá um poder maior de guerra de confrontar tanto o estado, quando ingressa nessas comunidades para atuar, tanto seus inimigos, as outras organizações criminosas. A polícia está ali representando o estado na defesa da sociedade. No momento que ela é recebida cada vez com maior poderio bélico e com pessoas mais bem treinadas, isso é uma ameaça para todos nós – afirmou o delegado ao Fantástico.
De acordo com a polícia, os treinamentos já acontecem há anos, mas é a primeira vez que conseguem registrar uma quantidade grande de imagens. As 1125 pessoas identificadas como participantes dos grupos criminosos que dominam a região foram indiciadas por vários crimes, como tráfico, associação para o tráfico e organização criminosa. A investigação levou ao organograma da quadrilha, apontando os chefes mais procurados até os integrantes com funções mais simples. A polícia ainda não revelou a identidade dos instrutores que dão as aulas para os soldados do tráfico.
Entre 2014 e 2015, o Exército e a Marinha ocuparam o conjunto de favelas por 14 meses com a missão de pacificar a região para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora, em uma operação, que custou R$ 600 milhões.
O especialista em segurança Robson Rodrigues diz que a dificuldade de combater o crime dentro das comunidades é histórica e critica a falta de uma política de segurança pública que enfrente o desafio sem levar sofrimento aos moradores.
– Isso é uma oportunidade para que o governo Federal tome conhecimento e reúna a Defesa, o Ministério da Justiça, através das polícias, para fazer um plano e integrar todas essas forças de segurança, as suas inteligências, principalmente para que possa criar melhores oportunidades para se controlar esse tipo de crime com mais contundência. As operações como têm sido feitas, de confronto, não vão resolver – afirma.