Do púlpito da Assembleia-Geral da ONU, o presidente Lula desfilou os mesmos carcomidos dogmas da esquerda dos últimos cinquenta anos. Atacou o bloqueio a Cuba e o protecionismo dos países ricos. Defendeu o povo palestino, o multilateralismo, o combate à fome e pediu a reforma do Conselho de Segurança. Nada de novo, portanto. “Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta. Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais”.
Mas, se Lula sempre retoma essa expressão referindo-se a um retorno ao palco global, a frase pode ser entendida como uma volta ao passado, como escreve Orlando Tosetto Júnior em coluna nesta edição da Crusoé. Trata-se de um fenômeno que se dá tanto nas relações exteriores como no plano doméstico. Nas últimas semanas, três recordes batidos em sequência mostram que este governo será uma réplica dos dois primeiros mandatos de Lula, com abuso da máquina pública para fins eleitoreiros, compra de votos no Legislativo e comportamentos perdulários entre autoridades.
Primeiro recorde. Julho foi o mês em que o presidente mais liberou emendas parlamentares na história do país, segundo a Associação Contas Abertas e o jornal Estadão. Foram 11,8 bilhões de reais para estados e municípios. Embora os parlamentares sejam os que definem a destinação dos recursos (leia a capa desta edição), é o Executivo que dita o momento. O cofre foi aberto para pagar as promessas feitas no ano passado, quando petistas negociaram com o Congresso a PEC da Transição, apelidada de PEC da Gastança. A Proposta de Emenda à Constituição ampliou os gastos e abriu caminho para as emendas Pix, que são determinadas pelos congressistas e não se destinam a uma despesa específica. A compra de apoio no Congresso foi uma das marcas do primeiro mandato de Lula (2003-2006) e desaguou no escândalo do mensalão, em que congressistas recebiam verbas para votar de acordo com o governo.
Segundo recorde. Reportagem da Folha de São Paulo mostrou que Lula gastou mais com cartão corporativo nos primeiros sete meses de mandato que Jair Bolsonaro, Michel Temer ou Dilma Rousseff, no mesmo período. Esses gastos — que incluem estadias em hotéis, alimentação, apoio logístico e combustível em viagens — já somam 8 milhões de reais em 2023. O que joga as despesas de Lula para cima são as constantes viagens ao exterior. Foram 19 em oito meses. Nos dois primeiros mandatos de Lula, as despesas com cartões corporativos do presidente e dos ministros suscitaram fortes críticas. Como ainda era possível saber quais eram os gastos (hoje só se tem acesso ao valor total), foi possível descobrir que Matilde Ribeiro, ministra da Igualdade Racial, tinha gasto 171 mil reais em 2007 com compras em free-shop e aluguel de um carro durante um feriado. Um funcionário do Ministério das Comunicações usou o cartão para reformar uma mesa de sinuca. Em 2008, foi criada uma CPMI para investigar os gastos no cartão corporativo. Após três meses de trabalho, os congressistas pediram maior controle sobre essas despesas.
Terceiro recorde. O governo Lula reservou 647 milhões de reais no orçamento de 2024 para publicidade. Segundo levantamento da Folha, a cifra é a maior desde 2004, o segundo ano do primeiro mandato de Lula. O motivo do aumento é a preocupação com as eleições estaduais e municipais. Ao comprar anúncios, principalmente na TV Globo, o PT espera turbinar seus candidatos aumentando os gastos em publicidade oficial, principalmente na televisão, para melhorar a imagem do governo. Em seu primeiro ano de mandato, em 2003, Lula multiplicou por treze os gastos com propaganda oficial da Presidência. O investimento o ajudou a se reeleger e a fazer sua sucessora, Dilma Rousseff.
“Se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país”, disse Lula em Nova York. É verdade: o presidente está no poder porque a ruptura que alguns radicais desejavam não aconteceu. Mas os três recordes mostram que a vitória de uma democracia plena ainda está longe de acontecer no Brasil.
Créditos: Crusoé.