Para quem está começando a investir, o conhecimento financeiro não é necessariamente aplicado para escolher no que montar sua carteira, mas de que forma e com quem. Ninguém precisa saber tudo, nem tem todo tempo livre para acompanhar o mercado – a menos que trabalhe com isso. Por isso, a analista e planejadora financeira Luciana Seabra, sócia da Indê (casa de análise focada em fundos de investimento), recomenda que se comece investindo em fundos.
“É uma forma acessível de delegar a gestão da carteira, o que é importante principalmente nos momentos de ‘chacoalhões’ no mercado, quando o elemento emocional pesa mais”, disse Luciana. “Além disso, se você não é especialista, pode não saber o que fazer em casos mais críticos. E nem precisa. Um bom gestor existe para isso.”
Mas como dividir essas aplicações? Esta é a principal pergunta de quem está começando a organizar suas finanças, e a mais escutada por Luciana. Por isso a analista especialista em fundos de investimentos montou uma fórmula teórica de como o público em geral – pessoas que não operam milhões em bolsas, nem têm a especialização de mercado ou dedicação para fazer manobras mais arriscadas – pode organizar seus investimentos.
“Esta é uma fórmula que até eu mesma sigo, porque ela navega muito bem em qualquer ciclo do mercado, especialmente em momentos de estresse”, disse Luciana durante o Anbima Summit deste ano.
Como dividir seus investimentos
- A carteira sugerida por Luciana é dividida por estratégias e objetivos, que permitem alocar em diferentes produtos e veículos, conforme o que se deseja. Da seguinte forma.
- Segurança: é o dinheiro de emergência, que você guarda para ter imediatamente, assim que precisar, portanto, o prazo para resgate desse tipo de alocação precisa ser zero. Isso significa um investimento que pode ser liquidado a qualquer momento e cairá na sua conta na hora ou no máximo no dia seguinte que solicitar o resgate. Mas nada de poupança, segundo Luciana, fundos taxa zero de Tesouro Selic são mais recomendados neste caso por trazerem retorno mais interessante e acima da inflação.
- Estabilidade: é a alocação pensada num prazo de pelo menos seis meses, que traz certa proteção e, principalmente, rentabiliza a carteira de forma passiva. Não que esse dinheiro deva ser resgatado semestralmente, mas a rentabilidade dele já começa a “pingar na carteira” mesmo nesse curto prazo, mais regularmente e com frequência. Aqui cabem fundos de crédito privado pós-fixados e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), por exemplo.
- Diversificação: alocações com prazo de pelo menos três anos. Exercem uma função importante em rentabilizar a carteira de investimentos, mas podem ter mais volatilidade, por isso é importante respeitar o prazo. Luciana cita como exemplos os fundos multimercados e fundos de debêntures de infraestrutura, que, sempre que bem selecionados, vão entregar um retorno bem acima da taxa do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referência para esses produtos.
- Valorização: exerce a função de multiplicar esse patrimônio investido e deve ser o dinheiro que você só vai começar a olhar a partir de cinco anos de alocação. São exemplos os fundos de ações, fundos private equity (veículos particulares de investimentos em empresas de capital fechado) ou os fundos de fundos de private equity, uma alternativa aos próprios private equities por diversificar mais a alocação em participações de empresas.
- Antifragilidade: confere resiliência à carteira e protegerá o patrimônio com rentabilidade mais elevada em momentos de estresse no mercado, por isso precisa ser o tipo de alocação permanente (sua posição nunca pode ser zerada), explica Luciana. São exemplos os investimentos em dólar e ouro, descorrelacionados de bolsa, renda fixa e de outros ativos mais expressivos nesta carteira. Mas não se trata da compra de moeda para viagem, algo que tem finalidade específica e para gasto dentro de um curto prazo. Neste caso, trata-se de uma alocação duradoura e que só é transferida em momentos de crise para reinvestir na carteira.
- Previdência: investimento que tem a finalidade de produzir um patrimônio que sirva como renda no futuro. O prazo é de pelo menos 10 anos para esse tipo de alocação. Pode ser em fundo de previdência privada ou outros produtos de previdência. “Há uma clara vantagem tributária nesses casos, é isso que importa quando falamos de renda”, afirmou Luciana. Além disso, ela explica que a regulamentação de fundos previdenciários avançou, abrindo as possibilidades para que esses veículos aloquem de forma diversa e mais rentável, mas com segurança.
“Dá para fazer uma carteira completa dessas a partir de R$ 10 mil”, disse a especialista. “Mas nem todo mundo tem esse capital logo de entrada, então o primeiro passo é ir na ordem, sempre começando por montar a reserva de emergência. Eu recomendo ter um valor de pelo menos três vezes os gastos mensais alocado para esse fim.”
Como filtrar em quais fundos investir?
A carteira iniciante pode ter como alvo no mínimo três fundos por estratégia e até seis, em um portfólio mais evoluído, defende Luciana. Como existem fundos com investimento mínimo de R$ 50, não é uma abordagem que exige tanto recurso inicialmente. Mas como escolher o fundo certo?
“Recomendo ter contas em várias corretoras para investir em fundos. Isso porque trato a corretora como uma espécie de supermercado: analiso as opções em cada ‘prateleira’ para decidir o melhor para mim”, afirmou a especialista.
Existem duas abordagens para analisar os fundos: quantitativa e qualitativa. É comum que muitos fiquem na quantitativa, isto é, em dados históricos do fundo, mas a qualitativa, segundo Luciana, é a que tem mais peso para um investimento certeiro no longo prazo. Mas o ideal é adotar as duas para que as avaliações sejam sobrepostas.
Análise quantitativa de um fundo é se fazer as seguintes perguntas:
Quanto o fundo rende em janelas longas? Para fundos multimercados deve-se considerar três anos, fundos de ações, cinco anos.
A volatilidade e o risco são compatíveis com o retorno? Se o fundo ‘sacode’ muito, ele precisa entregar mais rentabilidade.
A taxa de administração e a de performance são compatíveis com a qualidade da gestão e o potencial de retorno? Quanto menos sofisticada a gestão, menor deve ser o custo de performance.
O prazo de resgate do fundo é compatível com a liquidez dos ativos em carteira? Um prazo de resgate curto em um fundo alocado em títulos de vencimento longo, isto é, com passivo e ativos descasados, precisa ter alguma estratégia para garantir essa liquidez.
Análise qualitativa é questionar:
Há quanto tempo a equipe trabalha junta? Há muito rodízio de pessoas?
Um alto índice de rotatividade de pessoas pode ser sinal de problemas na política da empresa e arrisca a continuidade de gestão do fundo.
Há um mandato claro, uma filosofia seguida de forma consistente, mesmo quando o fundo cresce?
Há um alinhamento de interesses? A equipe investe nos mesmos fundos que ela gere?
A equipe é ética? Já houve problemas com investidores no passado?
A análise qualitativa, tem um peso maior, já que é nessas entrelinhas que se consolida a gestão para o fundo. Mas como um investidor comum pode chegar a essas respostas?
Em entrevistas de gestores dos fundos a podcasts, acompanhando as redes sociais da equipe, consumindo conteúdo de imprensa sobre esse mercado, lendo a carta de gestores para acompanhar a visão estratégica e buscando referências sobre os profissionais.
“Os melhores fundos não estão abertos o tempo todo, nem estão em todas as plataformas, por isso é importante acompanhar o mercado para saber quando haverá essas janelas, que geralmente são bem curtas e espaçadas, para comprar cotas”, disse a analista. “É como montar um álbum de figurinhas: a mais brilhante é mais rara.”
Ela lembra da última oferta do fundo de ações Dynamo Cougar, que ficou aberto para investidores pessoas físicas por um minuto. “Depois de seis meses, alguns me procuraram insatisfeitos por eu ter recomendado o fundo, que estava apanhando do mercado naquele momento”, contou Luciana.
“Mas um prazo de seis meses não é suficiente para avaliar a gestão de um fundo de ações. É essa noção que falta ao investidor, a de que o horizonte dessa estratégia é de cinco anos para frente. No desespero, muitos liquidam suas posições na queda da cota e perdem dinheiro.”
No contrafluxo
A visão de Luciana tem base na filosofia do professor e gestor americano David Swensen, que foi diretor de investimentos da Universidade de Yale. Na instituição, foi responsável pela administração dos fundos e ativos da instituição, que ultrapassam US$ 25 bilhões. Ele defendia uma análise fundamentalista.
“A alocação estrutural é aumentar a posição em ciclos de estresse no mercado. Tira-se de onde está ganhando para investir no ativo que está ficando para trás. É o completo oposto do comportamento no mercado, por isso é anticíclico”, defende a especialista em fundos.
Partindo do princípio de que já houve uma seleção anterior dos fundos e que todos os veículos em carteira são bem geridos, a lógica é aproveitar um momento de desvalorização das cotas para comprar barato um bom produto, explica Luciana. É uma maneira de aumentar a margem de ganho sobre o ativo para quando o mercado sair da fase crítica e ele se recuperar.
“O comportamento contrário nos investimentos exige afastar-se dos amados e abraçar os rejeitados. A maioria prefere o oposto (…)”, leu Luciana, de um trecho do livro de fundamentos de investimentos de Swensen. “Ninguém nunca perdeu dinheiro indo contra a corrente de desespero e euforia que toma o mercado nas crises”, finalizou a analista.
Fonte: Valor Investe.