A indignação entre os setores progressistas com os votos do ministro Cristiano Zanin no Supremo, que marcou os últimos dias nas redes sociais e nas conversas de aliados de Lula, deve continuar nesta semana por causa de uma votação tida como crucial tanto para a direita como para a esquerda: a decisão sobre a adoção de um marco temporal para a demarcação de terras para os indígenas.
O julgamento, que estava suspenso desde junho após um pedido de vista do ministro André Mendonça, será retomado nesta quarta-feira. O placar está em dois votos contra o marco temporal (Alexandre de Moraes e Edson Fachin) e um voto a favor (Kassio Nunes Marques).
A partir de quarta votam André Mendonça e, se ninguém mais pedir vista, os outros sete ministros. Já se sabe que Rosa Weber, que está prestes a se aposentar, também votará contra.
Quem defende o marco temporal sustenta que os povos originários só podem reivindicar a posse de áreas que já estivessem ocupando quando a Constituição de 1988 foi promulgada. Caso contrário, não teriam direito a novas demarcações.
A questão é fundamental para o agronegócio, que teme ver parte de suas terras transformadas em reservas indígenas, e também para essas tribos, que estão vendo suas áreas serem ocupadas pelo agro.
O marco temporal também está em discussão no Congresso. O projeto da bancada ruralista que limita as demarcações já foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas ainda precisa ser analisado pelo Senado.
A preocupação da esquerda com a postura de Zanin nesse julgamento é grande – não só porque todos os votos dele em apenas três semanas de Supremo foram contra suas pautas, mas também porque na sabatina que enfrentou no Senado antes de ser nomeado ele também evitou responder a respeito.
Na última sexta-feira, Zanin ainda foi contra uma ação que relata violência da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra indígenas da etnia Guarani Kaiowá.
A ação protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pede que o STF determine ao estado medidas de proteção às comunidades indígenas. Alega que a análise dos diversos casos no Mato Grosso do Sul mostra que autoridades locais têm promovido violentas ações de desocupação forçada contra comunidades.
Essa foi a última de uma sequência de decisões que deixaram apoiadores de Lula indignados, contra direitos LGBTQIA+, descriminalização da maconha e também insignificância de um furto de objetos no valor de R$ 100.
Em meio à revolta dos seguidores do presidente da República, a própria primeira-dama, Janja, publicou um tuíte em resposta a um seguidor que postou um meme com uma animação em que ela limpa os óculos ao olhar para Zanin e ver o ministro André Mendonça, conservador nomeado por Jair Bolsonaro para o cargo.
“O meme é engraçado mas tb tem um tantinho de trágico”, escreveu Janja. Nos bastidores, grupos de militantes, advogados e petistas históricos procuraram a primeira-dama pedindo que interfira junto a Lula para que converse com Zanin a respeito de sua postura.
Embora Zanin tivesse cortejado a bancada conservadora do Senado e evitado se posicionar a respeito de temas polêmicos durante sua campanha para ser nomeado para o STF, aliados de Lula no Congresso e nos movimentos sociais se mantiveram em silêncio a respeito da indicação, para não contrariar Lula.
Agora, muitos deles estão arrependidos, articulando uma campanha para tentar influenciar Lula a não escolher mais um conversador para o STF no final de setembro, quando Rosa Weber se aposenta.
Em trocas de mensagens entre servidores do Planalto, as decisões de Zanin foram consideradas “desastrosas” e terríveis. Um dos membros desse grupo, que faz parte do segundo escalão do governo, diz que “está forte a pressão sobre a Janja para convencer Lula a não repetir o erro”.
Nas redes sociais, deputados e influenciadores de esquerda também reforçaram o coro contra Zanin, já apontando para a próxima escolha de Lula. A deputada Erika Hilton (PSOL-SP), por exemplo, postou. : “Mais do que nunca: Precisamos de uma ministra negra e progressista no STF!”
Por enquanto, porém, tudo indica que Lula vai tentar acalmar os movimentos sociais de outra forma. Por ora, segundo os interlocutores mais próximos do presidente da República, as chances de ele nomear uma mulher para o lugar de Rosa Weber são mínimas, para não dizer nulas.
O Globo