O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que há um “vácuo” na legislação que decide sobre os presentes recebidos pela Presidência e sua incorporação a acervos privados ou públicos.
A investigação da Polícia Federal (PF) indica que aliados de Bolsonaro teriam atuado para levar joias recebidas como presente de outros chefes de Estado durante seu governo para que elas fossem vendidas nos Estados Unidos e o valor obtido fosse repassado ao ex-presidente.
De acordo com a PF, esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente da República em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado.
Segundo especialistas ouvidas pela CNN, mesmo que a legislação não defina expressamente quais itens podem ser considerados personalíssimos, esta decisão não deve ser tomada pelo presidente, e sim pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Além disso, a venda dos itens é vetada pela lei, mesmo que eles estivessem no acervo privado.
A investigação também mostrou que Marcelo da Silva Vieira, chefe do gabinete de Documentação Histórica da Presidência durante o governo de Bolsonaro, participou do esquema e que ele avisou Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, sobre as leis que proíbem a venda dos presentes.
O que a lei diz sobre presentes recebidos pela Presidência
O entendimento que prevalece sobre esse assunto foi definido em 2016, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que todos os presentes e documentos recebidos oficialmente pela Presidência devem ser incorporados ao acervo da União, com exceção de “itens de natureza personalíssima ou consumo próprio”.
Marina Coelho Araújo, advogada criminalista, reforça que “os presentes recebidos na constância da Presidência, em regra, são do cargo, não das pessoas que o ocupam”.
“Isto é assim por uma razão simples”, acrescenta ela. “Se [os presidentes] pudessem receber presentes pessoalmente, haveria muitos conflitos de interesses.”
O que são itens “personalíssimos”
A advogada Fabyola En Rodrigues, especialista em direito penal, explica que “não existe, de fato, uma legislação tratando do que seria um item de natureza personalíssima”, mas a decisão não cabe ao presidente, e sim ao TCU.
“Os critérios do personalíssimo são excepcionais e, mais do que isto, as entregas devem ser transparentes. Recebidos os presentes, o setor deve saber imediatamente, isso é registrado e interpretado por todos”, acrescenta Marina Araújo. “Não é o presidente que diz: gostei deste, é meu.”
Na decisão de 2016, o Tribunal citou como exemplos de itens “personalíssimos”, ou seja, aqueles que poderiam ser incorporados ao acervo pessoal de um presidente: medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, entre outros.
Embora joias não sejam expressamente citadas na decisão, durante seu voto, o relator do caso, ministro Walton Alencar, deixou claro que elas não estariam incluídas.
“Imagine-se, a propósito, a situação de um chefe de governo presentear o presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, segundo o entendimento de Alencar.