Reportagem da edição mais recente da revista Crusoé trata da CPI das ONGs, a nova trincheira da oposição. O esvaziamento da CPI do MST dá um novo impulso aos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito que investiga organizações não governamentais.
“Até agora fora dos holofotes do Congresso Nacional, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não Governamentais (ONGs) no Senado vai ganhar atenção dos parlamentares da oposição nas próximas semanas. O movimento ocorre devido ao esvaziamento da CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na Câmara, depois que partidos do Centrão decidiram substituir integrantes de oposição por outros mais simpáticos ao governo no colegiado. Os trabalhos, que poderiam se estender até meados de setembro, devem ser abreviados e o relatório do deputado Ricardo Salles (PL-SP) deve ser antecipado.
A CPI das ONGs foi instalada em junho no Senado, com o objetivo de investigar o repasse de verbas públicas para essas organizações pelo governo federal e a possível utilização inadequada desses recursos ao longo das últimas décadas. Prima-pobre das CPIs atualmente em funcionamento no Congresso, a das ONGs, na visão do relator Márcio Bittar (União-AC), foi na verdade subestimada e teria o condão de revelar esquemas de corrupção maiores até que o mensalão e o petrolão. Exageros à parte, os parlamentares conseguiram, nesse pouco tempo, trazer à tona indícios de relacionamento promíscuo entre dirigentes de ONGs e agentes do estado.”
Os integrantes da CPI investigam, por exemplo, o poder de influência das ONGs em entidades públicas como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio). No Pará, uma ONG assumiu a responsabilidade por emitir o Cadastro Ambiental Rural, uma função do Ministério do Meio Ambiente. Uma ONG do Maranhão é investigada por ter supostamente recebido R$ 1,4 milhão do Ibama para incentivar ações de pesca no ano passado, mas a entidade aparece como extinta nos registros da Receita Federal.
O pedido de abertura da CPI foi feito com base em um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que aponta possíveis irregularidades no uso de dinheiro do Fundo Amazônia. Os investigadores da CPI detectaram projetos em que 85% dos valores foram gastos com atividades meios ou sustento de ONGs e não com o projeto fim selecionado. Eles relatam ainda que o BNDES não enviou, ou não possui, as notas fiscais que comprovariam gastos de projetos financiados pelo Fundo Amazônia. Segundo os parlamentares, não é possível saber quais empresas foram contratadas para operacionalizar projetos.
Há também suspeitas de que ONGs que atuam na Amazônia recebem recursos diretamente de governos estrangeiros, sem qualquer tipo de controle do governo brasileiro sobre isso. Um exemplo citado por Bittar é o governo do Canadá, que teria atuado diretamente para influenciar projetos de ONGs na Amazônia. Na prática, conforme as investigações da CPI, algumas ONGs atuam como representantes do estado brasileiro, mas sob ingerência de nações ou entidades estrangeiras.
“Você acha que o mensalão foi um grande esquema revelado no Brasil? Que o petrolão foi o maior assalto ao país? Nada disso se compara ao que se fizeram com a Amazônia Brasileira. Quem você acha que manda na Amazônia hoje? Não é o brasileiro”, diz Bittar. “Os governos estaduais, as prefeituras, o estado brasileiro não tem controle nenhum sobre as ONGs. E o Brasil aceita isso sem qualquer tipo de oposição.”
Presidente da comissão, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) avalia prorrogar o seu funcionamento até meados de novembro, agora que deputados antes voltados ao embate com o MST prometem ajudar a movimentar a discussão sobre as ONGs. Dos 11 titulares da CPI, ao menos seis senadores da região Norte já fecharam acordo para estender as investigações, entre eles nomes como Eduardo Gomes (PL-TO) e Jaime Bagattoli (PL-RO).
“O dinheiro entra e ninguém sabe para quem entra, por que entra e como ele é utilizado. O Brasil precisa ter controle disso. O Itamaraty diz que não sabe quantas ONGs atuam aqui e que só tem conhecimento de 16 convênios em 20 anos. Vamos agora ouvir as ONGs que receberam dinheiro do BNDES citadas no relatório do TCU e que não prestaram contas”, diz Plínio Valério.
A CPI das ONGs pretende a partir das próximas sessões ouvir membros do governo como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana. Os depoimentos podem criar embaraços para o Palácio do Planalto.
“O governo primeiro nos ignorou, achando que a iniciativa não ia dar em nada. Quando a gente conseguiu as indicações dos partidos para os cargos na CPI, o governo nos procurou para tentar a relatoria, mas aí já não dava mais. Prevejo que o próximo passo é tentar abafar, como fez com o caso do MST.”, diz Valério.
O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), diz não temer que o colegiado vire um ponto de desgaste para o Planalto. “O governo não teme CPI nenhuma. A própria CPI do MST, que tentaram fazer para desgastar o governo, está em derrocada. Acredito que até aqui a CPI das ONGs vem tendo uma condução muito positiva e, na minha avaliação, o relatório final vai vir muito mais no sentido de apresentar sugestões e propostas”, afirma.
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