A vitória do deputado e economista de extrema direita Javier Milei na primeira fase do processo eleitoral argentino, no último domingo, acendeu a luz amarela em Brasília. A avaliação é de que, se Milei vencer a eleição presidencial em outubro, haverá um retrocesso na integração regional, com paralisia no Mercosul.
O GLOBO ouviu quatro importantes interlocutores do governo brasileiro sobre o assunto. Segundo um deles, o impacto na política de integração, que ganhou força com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua proximidade com os líderes da esquerda da região, será negativo. A situação preocupa, pois, se Milei vencer, a Argentina daria uma guinada para um terreno desconhecido.
No último domingo, Milei venceu as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso). O economista vai disputar a Casa Rosada com Patricia Bullrich, da coalizão opositora Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança, direita), e o ministro da Economia e candidato do governo peronista, Sergio Massa.
Apesar de se autointitular liberal, o candidato tem propostas extremistas até para os liberais, disse um interlocutor. Milei flerta com ideias libertárias na economia que jamais foram colocadas em prática e que poderiam, se aplicadas, desatar mais caos, inclusive a abolição do Banco Central com dolarização completa.
Nos bastidores, o governo brasileiro torce pela derrota de Milei em outubro, mas não considera impossível que ele saia como o grande vencedor. Isso porque a votação do economista “é sólida e bem distribuída” e Bullrich “meio que o duplica” na direita. Há dúvidas se Massa ganhará força após a derrota de domingo.
Um interlocutor próximo ao presidente Lula afirmou que recebeu com choque a notícia do sucesso de Milei, mas considera que o resultado ainda não está definido. A avaliação é que a Argentina é um país soberano, mas que obviamente o resultado não agrada ao Brasil. O candidato tem divergências com o governo brasileiro, como nos aspectos envolvendo dolarização diante da inflação e venda de órgãos como “mais um mercado”.
A percepção é que o período será de muito diálogo e que os próximos passos serão observados com “tranquilidade”, torcendo pela “racionalidade” do povo argentino. Sobre possíveis impactos na relação entre Argentina e Brasil caso a vitória de Milei se concretize, as apostas ainda vão para a hipótese mais otimista.
Miler é admirador do ex-presidente Jair Bolsonaro e mantém contatos com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente. Na época do antecessor de Lula, as relações entre Brasil e Argentina ficaram praticamente congeladas no âmbito político. Lula é aliado e amigo pessoal do atual mandatário argentino, Alberto Fernández.
Se Milei vencer, o retrocesso esperado na integração não atingiria apenas as relações entre Argentina e Brasil. A reaproximação dos países da região com a Venezuela do chavista Nicolás Maduro, por exemplo, também seria afetada.
O Globo