O Ministério da Justiça vai atualizar a matriz curricular formativa das forças de segurança dos Estados. A última mudança para formação de policiais militares, civis e bombeiros militares foi realizada em 2014. A ideia é implementar os conteúdos a partir do próximo ano com a incorporação de novas temáticas, equalização mínima de carga horária levando em consideração a realidade de cada Estado e oferecimento de disciplinas que reforcem a defesa da democracia.
Um dos pontos centrais em discussão é o aprimoramento da formação voltada à garantia dos direitos humanos. O objetivo é aperfeiçoar padrões de atuação com uso da força para diminuir a letalidade policial. Em junho, o ministério reuniu em Brasília gestores de ensino e pesquisa de diversos órgãos para iniciar o debate.
A atualização da matriz curricular ganha força no momento em que ações das polícias de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia são alvo de críticas. No fim de julho, na Baixada Santista, ao menos 16 pessoas foram mortas durante operações da PM após assassinato de um policial.
No Rio, a morte de um adolescente de 13 anos enquanto passeava de moto na Cidade de Deus suscitou duras críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Familiares da vítima apontam que o tiro partiu de um policial militar.
Na manhã deste sábado, uma bala perdida matou a menina Eloah da Silva dos Santos, de 5 anos, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. A menina brincava dentro de casa quando levou um tiro no peito.
A diretora de Ensino e Pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Michele dos Ramos, enfatiza a necessidade da atualização da formação em razão de alterações normativas nos últimos anos no campo da segurança pública.
“A matriz é um instrumento importante para que a gente consiga avançar na agenda do uso da força dentro dos órgãos de segurança”, destacou. Ela cita também a incorporação de novas temáticas consideradas prioritárias, a exemplo de enfrentamento de crimes ambientais, proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais e combate aos crimes digitais e discurso de ódio.
Novas tecnologias
A modificação nas diretrizes dos principais conteúdos também vai englobar pontos relacionados a novas tecnologias, a exemplo do uso de câmeras corporais, técnicas de reconhecimento facial e questões relacionadas aos chamados algoritmos preditivos.
No entendimento de Dos Ramos, é impossível imaginar a reversão do cenários de insegurança e violência no Brasil sem investir na formação dos profissionais que estão na ponta do enfrentamento.
Bonificação
O secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, aponta que os preceitos para a formação profissional passam pelo aperfeiçoamento da repressão qualificada, proporcionalidade do uso da força e estabelecimento de procedimentos padronizados de atuação. Uma das ideias para incentivar os Estados a aderirem à nova matriz curricular é estabelecer bonificação no acesso à partilha do Fundo Nacional de Segurança Pública.
“O caminho não é punir o Estado que não aderir, mas premiar e incentivar aqueles que fizerem a adesão das propostas dessa nova matriz tanto em relação aos conteúdos quanto à carga horária”, diz Dos Ramos. Um dos principais desafios é adequar as diretrizes às realidades de cada Estado. Há, por exemplo, uma variação significativa em relação à carga inicial da formação dos profissionais.
Práticas democráticas
O pesquisador José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (NEPS-UFPE), aponta como fundamental na reforma curricular a incorporação de mecanismos mais modernos que dialoguem com práticas democráticas.
“Os mecanismos de formação continuada precisam estar conectados com a ideia de democracia, com o papel da polícia na democracia”, diz. Ele indica também que é preciso aprimorar instrumentos de correição e punição. “Obviamente, precisam ser trabalhados de forma preventiva nos cursos de formação policial”.
O secretário da Associação dos Militares Estaduais do Brasil (AmeBrasil), coronel Mauro Branbilla, diz que o viés ideológico prejudica a formação policial no país. “A formação policial precisa ser técnica, e não ideológica. Temos que seguir o que diz a lei”, afirmou. “Sempre é válido rediscutir o assunto. Debate precisa ser amplo”, completa.
Valor Econômico