Quarta-feira passada (9) foi o Dia Internacional dos Povos Indígenas e, também, o dia seguinte da Cúpula da Amazônia, que reuniu os chefes de Estado da região, em Belém.
Havia forte expectativa, no movimento indígena, na sociedade civil e no próprio governo, de que o presidente Lula assinaria os decretos de homologação de oito TIs (terras indígenas), já demarcadas fisicamente, cujos processos estavam engavetados desde o governo Bolsonaro. A data passou sem que os decretos fossem editados.
A Constituição determina que a União demarque e proteja as TIs, o que foi descumprido pela gestão anterior. Lula prometeu retomar e concluir todos os processos demarcatórios pendentes.
Quando assumiu, encontrou 14 deles na gaveta. Seis foram homologados em abril, quando se disse, em relação aos outros oito, que ainda havia ajustes formais necessários e que a edição dos respectivos decretos ocorreria mais à frente.
Com os ajustes concluídos e o reenvio dos processos do Ministério da Justiça para a Casa Civil, esperava-se que fossem homologados agora.
Nos últimos dias, circulou a informação de que apenas duas homologações seriam anunciadas, por não haverem, nesses casos, manifestações em contrário. Afinal, nenhum decreto foi editado, e o governo alegou que a coincidência da data com o final da cúpula tornava impróprios os anúncios.
Na verdade, imprópria é a vacilação da Casa Civil diante de extemporâneas manifestações em contrário.
O receio é que ela signifique ignorância sobre o processo administrativo de demarcação e, por outro lado, põe em dúvida a vontade política do governo e o compromisso do presidente Lula para resolver, de uma vez por todas, as pendências ainda existentes sobre cerca de um terço das TIs com processos abertos na Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Diferente do que muitos pensam, não é o decreto de homologação que define os limites de uma TI. Ele é a penúltima etapa de um processo com várias fases e que começa com a criação, pela Funai, de um grupo de trabalho para elaborar o estudo de identificação.
Cabe ao presidente do órgão indigenista aprová-lo ou não. Há prazos para a manifestação e contestações de interessados.
Depois disso, o Ministério da Justiça aprova ou não os limites ou pode pedir novas diligências à Funai. Se aprovados esses limites, o órgão indigenista procede à sua demarcação física e digitalização. Só depois é realizada a homologação por meio de um decreto presidencial.
Vale lembrar que essas oito terras, assim como as outras seis que foram homologadas, tiveram os seus limites definidos há muitos anos por portarias ministeriais, que recursos públicos significativos já foram investidos nos trabalhos de demarcação física e que não há pendências administrativas ou decisões judiciais que impeçam as suas homologações.
Também vale lembrar que estamos discutindo, ainda, a gaveta de Bolsonaro e que há outras 240 áreas com processos abertos na Funai e tramitando em alguma instância do governo à espera de conclusão.
Se o governo enrosca-se logo nas pendências herdadas de Bolsonaro, o que se pode esperar do processo como um todo?
O Planalto deveria saber que a definição de limites dessas terras antecedeu as demarcações. A pergunta impõe-se: vai sentar em cima dos processos ou devolvê-los à Funai a esta altura, prolongando conflitos e postergando soluções?
O presidente Lula precisa dar um jeito na situação, pois há comunidades envolvidas e tensões locais. A indefinição da Casa Civil afeta o discurso e pode até provocar uma crise de governo. É melhor desenroscar.
Créditos: Folha de S. Paulo.