Você com certeza já deve ter ouvido uma história dizendo que há um vulcão adormecido em Caldas Novas, no sul de Goiás. Entretanto, tudo isso não passa de um mito que perdurou por muitos anos devido às águas termais que abraçam a cidade turística. Outro ponto que endossou ainda mais a crença foi o formato da Serra de Caldas, que parece muito com o de um vulcão. Porém, essa possibilidade é 100% afastada após diversos estudos que foram feitos na região.
Mas de onde veio tudo isso? Além de uma questão geológica, a história também tem um dedo de “culpa” nesta situação. Segundo o hidrogeólogo Fábio Floriano Haesbaert, a dúvida se as águas quentes de Caldas Novas eram provenientes de um vulcão ficou em evidência até a década de 1960. Ele explica que a Serra como é vista hoje não foi formada após uma tentativa de abortar uma erupção vulcânica e, sim, foi moldada diante das mudanças no solo que ocorreram ao longo de bilhões de anos.
“Essa região de Goiás foi mar a cerca de 1 bilhão de anos atrás. Então, a gente já tinha um ambiente marítimo, com areia, ondas. Para se ter uma ideia, a gente tem marcas de ondas em cima da Serra. Todo esse conjunto de rochas, ao longo desses milhares de anos, sofreu modificações com a ajuda das placas tectônicas. Isso fez com o que aquele material sedimentar do mar se transformasse em rochas e, depois, isso foi metamorfizando, foi tomando forma. Vários movimentos de leste-oeste e vice-versa. Isso arqueou as rochas e produziu esse domo, que é o domo da Serra de Caldas”, explica.
O chefe do Parque Estadual da Serra de Caldas, Maurício Vianna Tambelline, complementa que, apesar da semelhança no formato, há alguns aspectos que diferenciam a Serra de Caldas com um vulcão. A ausência de bordas no topo e do interior fundo, que seria por onde passaria a lava expelida do interior terrestre, por exemplo, afastou por completo a existência da estrutura geológica.
“A parte de cima da Serra é bem plana. A formação aqui da região é sedimentar. Ou seja, são sedimentos que se acumularam na região por muitos e muitos anos. E não tem nenhuma rocha ligada ao vulcanismo. Então daí, o povo já percebeu que não tinha algo haver com os vulcões e, sim, há outro tipo de fenômeno que moldou essa estrutura que lembra o formato da boca de vulcão para quem olha por fora”, ressalta.
A crença também ganhou mais embasamento diante das experiências que os colonizadores tiveram com as águas termais.
Por que as águas são termais?
Fábio Haesbaert explica que, com o passar dos anos, as mudanças geológicas formaram rachaduras profundas na crosta da região. Essas fissuras podem atingir até 1 mil metros de profundidade. Isso explica o porquê da água na região de Caldas Novas e Rio Quente ter uma temperatura elevada.
“Essas rachaduras permitem que, qualquer água que você jogue aqui na região, ela irá descer por essas fendas e vai sendo aquecida. É interessante também dizer que essa nossa água é mineral e termal. Ela é mineral porque ela transitou nas rochas e, quando ela fez esse caminho, que é um fluxo lento, ela vai pegando os minerais. Os estudos já mostram que essa água tem mais de 1 mil anos. Além disso, ela é termal devido ao fato de, a cada 33 metros que ela desce, ela vai ficando 1ºC mais quente. Daí você tira que, até o centro da Terra, tem muitos quilômetros. Quanto mais fundo ela desce, mas ela vai se tornando mineral e ela vai se tornando muito quente”, destaca.
Algumas nascentes de Caldas Novas, inclusive, já nascem com temperaturas entre 38ºC a 44ºC. O hidrogeólogo conta ainda que, desde o período imperial, a medição da temperatura da água é feita e, por isso, se tornou um pólo de cura natural para diversas doenças.
Além disso, as rachaduras nas rochas, conforme explica Maurício Vianna, colaboraram para a elaboração de lençóis freáticos, que atingiram mais de 1,5 mil metros de profundidade. Eles são considerados de grande tamanhos e volumes, já que os mais comuns variam entre 30 a 200 metros. Outro fator que ajuda a manter a água aquecida após ela ser retirada de dentro do solo é a questão de minerais raros que são captados durante o caminho feito pelo recurso hídrico dentro dessas fissuras.
“Com isso, a gente tem o que chamamos de gradiente geotérmico de temperatura conforme ela desce para dentro do solo. Lá dentro, a cada 100 metros de profundidade, a gente aumenta 3ºC. Então, uma água que aqui na superfície está em 14ºC, quando você desce a 1 mil metros de profundidade, você deverá somar 30ºC. Isso mostra que a água vai estar aquecida em 40ºC ou mais. Por isso é que nós temos águas termais”, afirma.
Outra dúvida que ganha forma é por que outras áreas de Goiás não contam com águas aquecidas no volume de Caldas Novas. Maurício Vianna conta que isso é explicado com mais uma modificação geomorfológica. Isso porque a região sul do Estado sofreu muito com pressões causadas pelas placas tectônicas. Dessa forma, o terreno foi “dobrado”. Os minerais que existiam no subsolo passaram para cima e acabaram forçando essas mudanças”, destaca.
Impactos nos dias atuais
Para proteger esse patrimônio natural, existe a Associação das Empresas Mineradoras das Águas Termais de Goiás (AMAT). Desde 1979, ela faz um levantamento para saber como está o volume de água no subsolo e como vem sendo feita a renovação do recurso hídrico.
Os dados mostram uma situação estável nos níveis nos últimos anos. Dois dados chamam atenção: em 1995, ocorreu o maior rebaixamento de nível existente na região. Na época, Caldas Novas era abastecida por água termal. Os poços que abasteciam o município foram desativados e o nível voltou a uma cota normal.
Já em 2020, é possível ver a recuperação dos níveis de água devido à paralisação total dos poços legalizados devido à pandemia da Covid-19. Para isso, todos os poços termais, as temperaturas e as vazões estão monitorados através de telemetria a cada minuto e há confecções de relatórios mensais e anuais para comparação dos dados.
Por causa desses cursos de água, o Parque Estadual Serra de Caldas foi inaugurado em 1970, sendo o primeiro do segmento criado no Estado, para que ocorresse a preservação desses cursos hídricos. Ele conta com 12.315,3580 hectares e é possível visitar todos os dias do ano. Dentro do Parque, é possível conhecer quatro cachoeiras, trilhas para bicicletas, museu, entre outros atrativos.
Maurício Vianna destaca que o Parque é um importante aquífero e que ele funciona como forma de renovação do lençol freático. “Como é a principal área de recarga e a gente já consegue perceber que já temos chuvas com regime diferenciado, a gente nota que há nascentes dentro do Parque que estão intermitentes. Ou seja, se naquela nascente tinha renovação de água durante todo o ano, em dois ou três meses há uma paralisação devido ao rebaixamento dos aquíferos. Então, se a gente deixar pegar fogo na Serra, aumentar desmatamento, entre outros, a gente terá a compactação do solo e isso fará com que a água que cai na superfície não entre no solo e faça o abastecimento do lençol freático”, destaca.
Diante disso, também é necessário estar atento às mais diversas restrições dentro do Parque.
Tráfego de veículos particulares na área do Parque, exceto nos estacionamentos construídos para os visitantes;
Acesso de animais domésticos;
Coleta de exemplares do meio biótico (animais, plantas, etc) e abiótico (rochas, solo, etc);
Caça e a pesca;
Uso do fogo;
Consumo de bebida alcoólica no interior do parque;
Uso de imagem da Unidade de Conservação com finalidade comercial deverá ser solicitado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), com antecedência mínima de 60 dias
Já o uso de imagem com finalidade científica, educativa ou cultural é permitido.
Crédits: G1.