Depois de 14 anos de silêncio, os governos de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela reconheceram a urgência de trabalharem juntos pela proteção da Amazônia, sem fixar, no entanto, metas conjuntas ou prazos para acabar com o desmatamento.
A chamada Declaração de Belém foi divulgada ao fim do primeiro dia da Cúpula da Amazônia, nesta terça-feira (08/08), na capital paraense, sede da Conferência do Clima (COP) em 2025. O conteúdo decepcionou diplomatas e organizações da sociedade civil.
“É muito difícil traçar uma política comum para a região porque os países ainda não têm política interna clara para a Amazônia. O Brasil mesmo, que voltou a falar muito, não decidiu uma estratégia muito clara. O governo passado deixou tudo solto e agora o atual está tentando corrigir, mas ainda não tem definido”, avalia Rubens Ricupero, diplomata brasileiro e ex-negociador que ajudou a fundar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em 1978.
Ricupero já esperava que seria difícil fechar um acordo de peso depois de um período tão longo de abandono – fazia 15 anos que os signatários do tratado não se reuniam. Embora seja reconhecido como um primeiro passo, o acordo inicial é criticado por falta de decisões concretas.
“É uma lista de promessas que não endereça nenhuma resposta real ao mundo em que estamos vivendo. O planeta está derretendo”, comenta Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que reúne 90 organizações da sociedade civil brasileira, fazendo menção aos recordes de calor registrados recentemente.
“É um longo documento centrado na OTCA que não endereça a urgência das ações necessárias para parar a degradação e desmatamento e todos seus vetores”, avalia Alicia Guzman, equatoriana que coordena o programa Amazônia da ONG Stand.earth, à DW.
As discordâncias entre vizinhos
Enquanto o anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva cobrou na cúpula que países ricos se responsabilizem por financiar o desenvolvimento sustentável da região, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, criticou a expansão de atividades petroleiras, apontada por cientistas como uma das principais causas da crise climática.
Em seu discurso na abertura do evento, Petro diz enxergar um “enorme conflito ético”, sobretudo por “forças progressistas”, que deveriam ouvir a ciência. A mensagem do colombiano pareceu ser uma indireta ao governo de Lula, que considera avançar com os planos de extrair petróleo da Foz do Amazonas.
Embora a licença tenha sido negada à Petrobras pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), há uma movimentação política forte para encontrar uma saída “legal” para permitir a exploração do combustível fóssil na região.
A medida iria na contramão do consenso científico que aponta os caminhos para frear a emergência climática global. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que o mundo precisa cortar 45% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e atingir emissões zero até 2050. Somente esta rota evita que o aumento da temperatura média global exceda o perigoso ponto de inflexão de 1,5°C.
Em Belém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, preferiu não comentar a indireta de Petro. Questionado sobre a intenção de o país explorar petróleo na Foz do Amazonas, Silveira respondeu que o governo quer, neste momento, autorizar estudos para conhecer o potencial da chamada Margem Equatorial, classificação técnica da região que ele prefere adotar.
Ao comentar a contradição, Silveira insinuou que o trabalho feito até então pelo IPCC não é conclusivo sobre o prazo para que combustíveis fósseis sejam banidos a tempo de evitar uma catástrofe climática.
A posição do atual governo não surpreende Ricupero: “Apesar de ser muito eloquente, Lula tem muitas contradições. A própria questão do petróleo na Foz do Amazonas, a construção da ferrovia Ferrogrão, o asfaltamento das estradas que cortam a floresta… Há uma distância ainda grande entre o discurso e a realidade”, avalia.
As promessas da Declaração de Belém
O texto divulgado menciona a urgência de a região estabelecer metas comuns para 2030 que combatam o desmatamento, as atividades de extração ilegal de recursos naturais, acabe com a pobreza, entre outros, “tendo como ideal alcançar o desmatamento zero”.
A participação ativa e respeito aos povos indígenas e comunidades tradicionais é um dos pontos de destaque do documento, assim como a intenção de evitar que a Amazônia chegue ao ponto de não retorno e não consiga mais se recuperar como floresta.
Os líderes da OTCA pedem ainda que países desenvolvidos cumpram “seus compromissos de fornecer e mobilizar recursos, incluindo a meta de mobilizar US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para apoiar as necessidades dos países em desenvolvimento”.
A cooperação policial, judicial e de inteligência no combate ao crime organizado e aos crimes ambientais também aparece na declaração. Não há qualquer menção à palavra petróleo ou combustível fóssil.
“Alguns países têm o compromisso interno de zerar o desmatamento. É o caso do Brasil e da Colômbia, eles estão mais avançados que a própria declaração. Mas é triste ver que alguns países não conseguem dizer o básico, que é: o desmatamento tem que acabar”, pontua Astrini.
Chance de retomada
Criada em plena ditadura militar brasileira, a OTCA atua numa das zonas mais estratégicas do planeta. “Depois de sua criação, se fez muito pouco. Houve períodos muito longos em que a Amazônia ficou entregue à pecuária, à destruição”, comenta Ricupero.
Para Thelma Krug, pesquisadora que foi por dois termos vice-presidente do IPCC, a falta de informação e de dados naquela época dificultava o avanço do conhecimento sobre os vetores do desmatamento.
“Não havia como monitorar continuamente os alertas de desmatamento. Essa retomada agora pode fortalecer os laços com os países vizinhos. Iniciativas como o Observatório Regional da Amazônia será uma fonte importante de dados”, destaca Krug sobre um dos pontos da declaração.
Camila Jardim, especialista em política climática do Greenpeace, avalia que o desenvolvimento econômico e social dos povos da Amazônia, uma das aspirações da declaração, não pode ser baseada no modelo que se adotou até a atualidade.
“Não temos mais tempo para abrir uma nova fronteira de petróleo. Já passou da hora, a crise climática está aí. Em 2025, quando a COP será em Belém, o Acordo de Paris fará dez anos. Que modelo de desenvolvimento teremos claro até lá? “, questiona.
DW