Zerar o déficit fiscal já em 2024, como quer o ministro Fernando Haddad (Fazenda), será um desafio “muito grande”, e o governo dificilmente escapará de propor uma mudança na meta fiscal, afirma o relator do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) do ano que vem, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).
“Inevitavelmente o governo vai ter que mexer na meta. Inevitavelmente. Tanto se for votado o [arcabouço fiscal] que saiu da Câmara quanto se for votado o que saiu do Senado. A não ser que o governo abra mão dos seus programas. Porque não tem de onde tirar tanto dinheiro”, afirmou em entrevista à Folha, concedida em seu gabinete na tarde desta terça-feira (8). As informações são da Folha de SP.
O governo tem feito um esforço concentrado para encaminhar, junto com a proposta de Orçamento, um pacote de medidas para elevar a arrecadação em cerca de R$ 130 bilhões e, assim, conseguir entregar a meta de déficit zero em 2024. Diferentes economistas, porém, consideram o alvo muito ambicioso. Membros do Congresso, por sua vez, afirmam que dificilmente o Legislativo aprovará todas as medidas.
Forte disse que concorda com a leitura do mercado de que a meta é ambiciosa. “A meta zero é um desafio muito grande para o ministro Haddad, apesar de compreender todo o esforço que ele está fazendo e, sem sombra de dúvida, é o ministro que melhor se relaciona com o Congresso hoje. A dificuldade não é por culpa dele. A dificuldade é porque a economia ficou patinando.”
Segundo ele, a meta de zerar o déficit em 2024 só será alcançada se a economia crescer —o que também impulsiona as receitas. Hoje, o governo prevê uma alta de 2,3% no PIB (Produto Interno Bruto) para 2024, mas o mercado tem estimativas mais conservadoras, de 1,3%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central.
Para o deputado, seria mais prudente o governo diluir a perseguição do reequilíbrio fiscal em um período de dois a três anos. “O prazo está muito curto. Ele devia ter colocado um prazo mais dilatado, porque as condicionantes da economia local e internacional não favorecem neste momento.”
Apesar do diagnóstico, Forte disse que ainda vai discutir o tema com o governo e observar a evolução da economia nos próximos meses, antes da votação do PLDO pelo Congresso Nacional. A intenção não é fazer nenhuma alteração da meta sem conversar com a equipe econômica —a quem, segundo ele, cabe a iniciativa de alterar o alvo central da política fiscal no ano que vem.
O relator também alertou o governo para o risco de repetir as manobras que colocaram a política fiscal em descrédito em gestões passadas do PT, quando perguntado sobre a proposta do Executivo de descontar R$ 5 bilhões em despesas do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da meta fiscal de estatais federais.
A manobra foi criticada por economistas, que veem uma brecha para o expediente ser usado para minimizar eventual frustração no cumprimento da meta do governo central (que inclui as contas de Tesouro Nacional, INSS e BC).
“Somos totalmente a favor dos programas sociais, acho o PAC importantíssimo para o Brasil. Agora, precisa ter a segurança fiscal para não cair de novo no problema das pedaladas. Essa é uma preocupação muito forte. Não podemos ter de novo um Orçamento irreal, um Orçamento feito a martelada para atender demandas que são inexequíveis no Orçamento que nós temos hoje”, afirmou Forte.
“A história só se repete como tragédia. Eu não espero que queiram repetir a mesma história, com o mesmo enredo. Ninguém morre duas vezes na mesma curva. Então eu acho que está na hora do governo inclusive se atinar para isso. Acho que essa ansiedade de aumentar impostos e esse garroteamento que foi feito do ponto de vista da economia é que precisam ser desestruturados para poder o país voltar a crescer. Da forma que está atualmente, só uma mágica”, acrescentou.
O relator disse ainda que, ao propor a exclusão dos R$ 5 bilhões do Novo PAC da meta das estatais, o governo busca “gerar uma janela” para alocar mais recursos no ano que vem, mas ignora uma espécie de “conflito interno”, em referência ao impasse das despesas condicionadas.
O governo tem uma brecha no texto do arcabouço fiscal para ampliar despesas em 2024 com base na aceleração da inflação nos últimos seis meses deste ano. A divergência é em que momento isso será incorporado ao Orçamento.
Na versão do arcabouço aprovada na Câmara, e que o relator defendeu retomar, o governo só teria acesso a esses gastos ao longo do exercício de 2024. Mas o Executivo quer manter a autorização incluída no Senado para prever as despesas desde já, condicionadas à aprovação de um crédito suplementar. O montante envolvido está entre R$ 32 bilhões e R$ 34 bilhões.
“Nós vamos condicionar uma receita que ninguém sabe de onde vem? Será que o Congresso vai permitir isso? Para quem quer Orçamento real e segurança jurídica e financeira, eu acho que o Congresso não vai abrir esse espaço da forma como o governo está achando que vai ser”, disse Forte.
O relator do PLDO disse que, caso prevaleça o texto da Câmara para o arcabouço, sem as despesas condicionadas, a tendência é rejeitar também a mensagem modificativa enviada pelo governo federal. “Acho que não vai caber [a mensagem modificativa, porque a LDO vai ser em função do que vem do arcabouço”, disse.
Em sua avaliação, os parlamentares também vão querer ter uma “participação maior” na elaboração de políticas públicas, inclusive no Novo PAC, e o envio de despesas condicionadas pode engessar a destinação das verbas, mantendo a vinculação com as prioridades do governo.
“Não sou contra a emenda parlamentar para o PAC. As bancadas poderiam destinar emendas, sim. Muitos desses programas vão ter dificuldade de ter dinheiro. Se for de comum acordo, acho que é um caminho”, disse. “Agora, não posso tolher o espaço das emendas para atender a outra demanda.”
O deputado também defendeu um calendário fixo para o pagamento de emendas, dando previsibilidade para a liberação dos recursos de interesse de parlamentares.
Há pedidos para que a LDO preveja que as emendas de comissão, que atingiram valores recordes no início do governo, também sejam impositivas, ou seja, que o Palácio do Planalto seja obrigado a executar.
“Vai ser discutido pelo Congresso e vamos ter, lógico, gente para defender isso. Então vamos ter que harmonizar”, disse. Para o relator, quanto mais impositivo o Orçamento for, maior a previsibilidade dos gastos.
“Fortalecer o papel de protagonismo de cada um dos Poderes, ajuda inclusive na pauta legislativa, nas votações e cria um comprometimento inclusive do Parlamento, com o próprio controle e a fiscalização do Orçamento”, afirmou.
Uma das propostas do deputado é que a LDO tenha um capítulo sobre a eficiência de gastos, como os de saúde, educação e assistência social.
Na discussão do Orçamento, Forte prevê pressão por aumento de alguns gastos, como reajuste para beneficiários do Bolsa Família, reajuste do salário mínimo e do BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. “Inevitavelmente essa cobrança vai vir. A população brasileira média empobreceu muito”, disse.
Outra despesa trata de repasses para partidos políticos. A proposta do relator é ampliar a transparência das despesas do fundo partidário –a que as legendas têm direito todos os anos. Diante de denúncias de uso dessa verba para compra até de helicóptero, Forte quer que a LDO estabeleça maior controle do uso desses recursos.
“Tem partido no Brasil que virou uma empresa oligárquica. Dentro das regras, nós vamos manter, mas vamos dar mais transparência”, disse.
Sobre o fundo eleitoral, que serve para financiar a campanha de 2024, o deputado afirmou que não se discutiu ainda o valor, apesar de ele defender a redução nesse gasto.
Folha de SP