O presidente Lula (PT) já deu declarações favoráveis à inclusão de países como Arábia Saudita, Venezuela e Argentina no Brics, mas o Brasil é hoje o membro que mais apresenta resistências à ampliação do bloco.
O bloco é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os líderes dos cinco membros se reúnem na África do Sul no final do mês, na cúpula em que a expansão da entidade será um dos temas centrais.
A China é a principal força defendendo a entrada de novos sócios. O país asiático adota uma posição, segundo interlocutores do governo Lula, no sentido de integrar praticamente todos os candidatos que tenham manifestado interesse em fazer parte do Brics —seja como membros plenos ou como associados.
Segundo esses interlocutores, Pequim tem recebido o apoio de Rússia e África do Sul em seu pleito.
O movimento liderado por Pequim é considerado parte da estratégia da potência asiática de consolidar um bloco antagônico aos Estados Unidos e a organizações dominadas pelo Ocidente, como o G7.
Dentro do governo Lula, no entanto, a tática da nação liderada por Xi Jinping é vista como uma expansão desorganizada do Brics e que não atende aos interesses do Brasil. Representantes brasileiros têm reiterado que é importante discutir os critérios para qualquer reforma da entidade e que a seleção de países candidatos precisa seguir regras como equilíbrio geográfico, população e tamanho da economia.
A avaliação interna na gestão Lula é que o Brics, justamente por sua concisão, dá ao Brasil um peso e protagonismo que ele não encontra em outros fóruns internacionais. Um crescimento desenfreado diluiria essa influência, disseram diplomatas à Folha sob condição de anonimato.
Procurado pela reportagem, o Itamaraty não fez comentários.
Negociadores estrangeiros veem nos argumentos brasileiros uma oposição dura contra a ampliação do Brics. Apontam ainda que a postura do Itamaraty em reuniões contrasta com a retórica de Lula.
Em recente entrevista a correspondentes estrangeiros, Lula defendeu a entrada no Brics de Arábia Saudita e outros países interessados. Ele também aproveitou a ocasião para fazer críticas ao G7 e disse que o modo de fazer política do grupo está superado. “Acho extremamente importante a Arábia Saudita entrar no Brics. Os Emirados Árabes, se quiserem entrar no Brics, a Argentina, também”, disse o petista.
Meses antes, numa declaração ao lado do ditador Nicolás Maduro, Lula também indicou que daria boas-vindas à Venezuela. “Se perguntar a minha vontade, eu sou favorável.”
No momento, diplomatas dos cinco países-membros do Brics estão envolvidos em negociações justamente sobre quais seriam os critérios para a adesão de novos integrantes. O resultado das conversas deve ser apresentado aos líderes na cúpula realizada em Joanesburgo.
A lista de possíveis candidatos é extensa, sendo que mais de 20 países manifestaram interesse, entre os quais Argentina, Bangladesh, Bahrein, Cuba, Egito, Indonésia, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela. O negociador-chefe da África do Sul disse que o número de interessados se aproxima de 40.
Além do Brasil, a Índia é o membro que mais tem colocado entraves à ampliação. O país liderado por Narendra Modi tem rivalizado com a China no contexto asiático e não tem interesse em ver o Brics se converter numa esfera de influência de Pequim.
Em agosto, no entanto, a agência de notícias Reuters reportou que a Índia poderia flexibilizar sua posição histórica contra a ampliação, o que deixaria o Brasil isolado dentro do bloco.
Interlocutores ouvidos pela Folha concordam que os indianos têm se mostrado mais flexíveis em discutir a adesão de alguns candidatos, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Mas consideram improvável que Nova Déli concorde com uma proposta de ampliação desenfreada.
A cúpula de Joanesburgo também será marcada pela ausência do presidente da Rússia, Vladimir Putin. O líder russo é alvo de uma ordem de prisão emitida em março pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), sob acusações de crimes de guerra cometidos na Ucrânia.
A África do Sul é signatária do TPI e, em tese, seria obrigada a cumprir a ordem caso Putin desembarcasse no país. Os sul-africanos não tinham a menor intenção de prender Putin e tentaram manobrar para conseguir garantir a presença do russo, mas houve uma intensa pressão do Ocidente sobre o anfitrião.
Foi cogitada, inclusive, a transferência da cúpula para um país não signatário do TPI, como a China.
A solução encontrada para evitar o constrangimento diplomático, a Rússia será representada pelo chanceler Serguei Lavrov. Putin deve fazer uma participação por videoconferência.
Folha de SP