Imagens de câmeras de segurança que captassem o momento da fuga após a execução, por exemplo, não foram preservadas; indícios de envolvimento de réus com a milícia e ligações entre suspeitos também não foram considerados à época do crime
Essas informações vieram à tona na delação de Queiroz, que a Polícia Civil fluminense destaca, em nota, ter sido feita por um dos investigados presos pela corporação. Nos dias seguintes ao crime, agentes da DH não coletaram imagens de câmeras de segurança de prédios no entorno do local do duplo homicídio. A especializada também não aprofundou a investigação sobre Suel, embora soubesse de seu suposto envolvimento com uma milícia em Rocha Miranda. E, na análise das ligações feitas por Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos, nos dias posteriores às execuções, não conseguiu identificar o responsável pelo desaparecimento do Cobalt usado no ataque.
Imagens não preservadas
Como no inquérito da DH não havia imagens que mostrassem a fuga dos assassinos, ao assumirem o caso, os investigadores da PF, então, entraram em contato, em março passado, com o Centro de Convenções Sulamérica, a poucos metros do local das mortes, para saber se alguma gravação que esclarecesse o caminho dos matadores havia ficado armazenada. Antes, uma testemunha havia afirmado à Polícia Civil que o carro dos assassinos tinha passado em frente ao local. Agora, à PF, um representante do empreendimento alegou, por e-mail, que não tinha mais as imagens e que não houve um pedido para que elas fossem preservadas.
“O vigilante local recebeu um policial civil na época, o mesmo portava somente sua documentação funcional e veio em uma viatura caracterizada da Civil. Não nos foi passada nenhuma documentação formal de pedido de gravação. O policial seguiu até a sala de monitoramento e pediu para fotografar com seu próprio celular um de nossos monitores”, respondeu o representante do Sulamérica.
O caminho da fuga de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz — Foto: Editoria de Arte
Através da delação de Queiroz, hoje se sabe que o carro dos assassinos passou na frente do Centro de Convenções e seguiu até a Avenida Brasil. No inquérito encaminhado pela Civil à PF não há outras solicitações de imagens a estabelecimentos comerciais ou residências nesse trajeto.
A busca sistemática por câmeras, porém, foi fundamental para a DH solucionar um homicídio com modus operandi bastante semelhante em 2020: o do bicheiro Fernando Iggnácio, num heliporto no Recreio dos Bandeirantes. Imagens flagraram os atiradores entrando num carro numa rua dos fundos. Nos dias posteriores, quase todo o efetivo da DH foi mobilizado para refazer o percurso dos criminosos à procura de imagens, uma vez que a capacidade de armazenamento de câmeras de segurança geralmente não passa de poucos dias.
Essa estratégia não foi usada no caso Marielle. À PF, Queiroz revelou que os executores desceram do Cobalt na Rua Intendente Cunha Menezes, no Méier, uma rua residencial repleta de câmeras, onde a mãe de Lessa morava.
Indícios de ilegalidades
Outra brecha diz respeito à atuação de Suel, ex-bombeiro amigo de Lessa que, segundo Queiroz, participou de campanas para vigiar a vítima nos meses que antecederam o crime. Suel foi mencionado pela primeira vez no inquérito da DH num relatório ainda de novembro de 2018. O documento apontou, com base em “dados extraídos de um colaborador da Gardênia Azul”, que Suel seria “responsável pelas atividades da milícia em Rocha Miranda”. Na época, já havia indícios que corroboravam a suspeita: Suel era sócio de empresas de venda de sinal de internet e de cestas básicas na região — atividades largamente exploradas por milícias no Rio.
Após o relatório, não foram aprofundadas as investigações sobre a participação de Suel na milícia de Rocha Miranda e supostos crimes cometidos pela quadrilha. Ele nunca foi indiciado por integrar o grupo paramilitar.
Trechos do relatório da investigação — Foto: Editoria de Arte
Cinco anos depois, a partir da delação de Queiroz, a PF retomou a apuração sobre a atuação de Suel na milícia. Em seu depoimento, o ex-PM não só contou que o ex-bombeiro tem o monopólio do gatonet na região, como revelou que Lessa era seu sócio no negócio. “O gatonet era com o Maxwell na área de Rocha Miranda. No caso do Ronnie, era mais para dentro da comunidade do Jorge Turco (no bairro do Colégio)”, disse Queiroz. Uma denúncia de 2019, citada no relatório da PF após a delação, descreve como Suel garante a exclusividade do negócio: “Maxwell está impedindo moradores de instalarem seus serviços de internet (…) Os moradores têm fios de internet cortados e são ameaçados”.
Ligações entre suspeitos
Caso Marielle: Carro usado no assassinato da vereadora foi destruído em desmanche
O sumiço do Cobalt usado no crime é mais uma lacuna. A DH não conseguiu precisar o local, a data e os envolvidos no desmanche do veículo. Mas os históricos de chamadas de Lessa e Suel, obtidos pela DH em 2018, revelam que, nos dias após o 14 de março daquele ano, ambos fizeram ligações para Edilson Barbosa dos Santos, o Orelha, ex-proprietário de um ferro-velho apontado por Queiroz como responsável por destruir o Cobalt. No dia seguinte ao crime, entre 15h31 e 19h21, Suel ligou sete vezes para Orelha. Lessa ligou para Orelha às 8h50 do dia 16, mesmo horário que Queiroz aponta como o da entrega do veículo para desmanche. De posse dos históricos de chamadas, a DH não procurou identificar para quem os dois suspeitos ligaram.
Questionada, além de ressaltar que Queiroz foi preso pela corporação, a Secretaria de Polícia Civil (Sepol) alegou que “a delação de um dos envolvidos ratificou o acerto investigativo e acrescentou novos e relevantes dados da execução, representando mais um importante passo para se chegar ao mandante e à motivação do crime”. A secretaria disse ainda que “as investigações da Polícia Civil são acompanhadas pelo Ministério Público, que atua em conjunto com a autoridade policial e requisita diligências consideradas imprescindíveis para formação de seu convencimento e formalização de acusação perante a Justiça”.
Já o MPRJ respondeu que os questionamentos do GLOBO deveriam ser direcionados à Civil e acrescentou que as investigações, no âmbito do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), tramitam sob sigilo.
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Outro personagem trazido à cena na delação de Queiroz e que contatou Lessa e Suel antes e depois do crime foi o PM reformado Edimilson de Oliveira da Silva, o Macalé, atualmente apontado como intermediário entre o mandante da execução e Ronie Lessa.