Em 2022, Doralice Carneiro, de 47 anos, comprou um frasco de molho pesto na feira que frequentava, no Distrito Federal. O produto quase a matou. O molho estava contaminado por uma bactéria que provoca uma doença grave e rara, o botulismo.
Por cerca de um ano, Doralice passou por uma série de procedimentos em um hospital para sobreviver, mas ficou tetraplégica por conta das complicações. A servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios disse, em entrevista ao portal Metrópoles, que irá processar o feirante que vendeu o produto infectado. E o plano de saúde, que cobra uma coparticipação de R$ 400 mil pelo período de internação.
Em 25 de janeiro de 2022, segundo o portal, Doralice começou a sentir uma fraqueza extrema no corpo e a enrolar a língua, quando estava no trabalho. Achando ser um princípio de AVC, foi ao atendimento de emergência de um hospital de Águas Claras. Ao chegar, desmaiou em uma cadeira de rodas na recepção. Os médicos fizeram uma tomografia com contraste e, durante o procedimento, ela sofreu crises de vômito, parou de respirar e precisou ser entubada.
Até então, apenas dois casos de botulismo haviam sido registrados no DF, segundo Secretaria de Saúde. A hipótese dos médicos era de um AVC de tronco, porque Doralice não conseguia movimentar braços e pernas e nem exibir expressões faciais. A servidora ficou 10 meses internada na UTI. Antes do diagnóstico de botulismo, recebeu o tratamento da Síndrome de Guillain-Barré, que apresenta sintomas como fraqueza e formigamento nos pés e nas pernas, que se espalham para a parte superior do corpo. Neste caso, também é possível ocorrer paralisia.
– Os médicos não estavam preparados para lidar com o botulismo. Eles acham que a doença simplesmente não existe, nenhum dos profissionais que me atendeu durante esse período tinha visto esse tipo de caso. Recebi o tratamento para outra doença durante dois meses – contou ao Metrópoles.
Segundo a reportagem, assim que saiu do hospital, Dora ficou três meses na casa da irmã, mas depois voltou a morar sozinha, com seus 3 gatos. Recuperada da tetraplegia, ela ainda passou quase quatro meses com auxílio de um andador e, até hoje, se sente fraca e com muitas dores. Hoje, ela segue afastada do trabalho e toma diversos remédios para as dores neuropáticas. Além disso, faz sessões semanais de fisioterapias e passa por vários tratamentos de reabilitação.
– Hoje em dia, eu só consigo andar de Uber, porque não consigo subir num transporte público nem dirigir. Minha carteira vai ter que ser de PCD. Mensalmente tenho gastos absurdos com aplicativos de transporte, porque não tenho condições de utilizar outros meios de locomoção – disse ao Metrópoles.
Vigilância detectou presença de toxina no molho após testes
O diagnóstico de infecção bacteriana grave foi obtido após o parecer de um neurologista. Ao examinar os olhos da paciente e perceber a ausência de reflexo e a pupila dilatada, o médico sugeriu aos colegas que a servidora pública estava com botulismo. O caso, então, de acordo com o protocolo padrão, foi comunicado à Vigilância Sanitária, que recolheu amostras de alimentos armazenados na geladeira da mulher. Um molho pesto aberto, uma porção de salmão e restos de atum enlatado foram encaminhados para o laboratório Adolf Lutz, em São Paulo. Dois meses depois, com Dora ainda internada, o resultado saiu e confirmou a presença de toxina butolínica no molho pesto. Os outros dois alimentos não deram positivo para a toxina.
Além dos danos físicos, a servidora conta que está lidando com diversos prejuízos financeiros. Deve cerca de R$ 400 mil cobrados pelo plano de saúde de coparticipação pelos 10 meses internados na UTI.
– Enquanto eu estava na UTI, começaram a descontar R$ 1.100 do meu salário já no 3° mês de internação, por conta da coparticipação. Isso me fez e ainda faz muita falta. Não recebi nenhum suporte de ninguém durante a minha internação. Não sei nem quantos anos eu levaria para pagar isso, então vou entrar com ações judiciais – disse a servidora à reportagem do Metrópoles. – Essa pessoa vendeu esse molho o ano inteiro em que estive internada e nunca prestou nenhum apoio a mim.
O que é o botulismo alimentar e quais alimentos representam maior risco
De acordo com o Ministério da Saúde, o botulismo é uma doença neuroparalítica grave, rara, não contagiosa, causada pela ação de uma potente toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum (C botulinum). O agente etiológico entra no organismo por meio de ferimentos ou pela ingestão de alimentos contaminados que não têm produção e/ou conservação adequada.
Sua notificação é compulsória e imediata (em até 24 horas) para que as ações de vigilância sejam realizadas em tempo de prevenir outros casos. A doença pode levar à morte por paralisia da musculatura respiratória. “Todas as formas de botulismo podem matar, se não tratadas adequadamente, e são consideradas emergências médica e de saúde pública. Por isso, a presença de qualquer sintoma é essencial procurar ajuda médica imediata. No Brasil, a maioria dos casos notificados está diretamente relacionado à contaminação alimentar”, diz a pasta.
A bactéria causadora do botulismo produz uma toxina que, mesmo se ingerida em pouquíssima quantidade, pode causar envenenamento grave em questão de horas. Além disso, os esporos desta bactéria são amplamente distribuídos na natureza, como em solos e sedimentos de lagos e mares, podendo sobreviver até em ambientes com pouco oxigênio, como em alimentos em conserva ou enlatados. Também estão presentes na água não tratada e em produtos agrícolas, como legumes, vegetal e mel, e em intestinos de mamíferos, peixes e vísceras de crustáceos.
Ainda segundo o Ministério da Saúde, o botulismo alimentar ocorre por ingestão de toxinas presentes em alimentos contaminados e que foram produzidos ou conservados de maneira inadequada. Os alimentos mais comumente envolvidos são:
- Conservas vegetais, principalmente as artesanais (palmito, picles, pequi);
- Produtos cárneos cozidos, curados e defumados de forma artesanal (salsicha, presunto, carne frita conservada em gordura – “carne de lata”);
- Pescados defumados, salgados e fermentados;
- Queijos e pasta de queijos e, raramente, em alimentos enlatados industrializados.
O período de incubação (entre o consumo e o início dos sinais e sintomas) pode variar de 2 horas a 10 dias, com média de 12 a 36 horas. Quanto maior a concentração de toxina no alimento ingerido, menor o período de incubação.
Fonte: O Globo.