A busca e apreensão nas casas dos brasileiros que supostamente hostilizaram o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e agrediram seu filho de 27 anos gerou questionamentos e críticas de políticos e juristas nas redes sociais. O episódio ocorreu na sexta-feira 14 no Aeroporto de Roma.
Advogados, membros do Ministério Público e professores questionam a legalidade do procedimento e afirmam que existe uma desproporcionalidade na medida, além de falta de competência do Supremo para conduzir o inquérito.
Procurador de Justiça no Paraná, Rodrigo Chemim disse que custa a acreditar “que um crime de injúria e uma contravenção penal de vias de fato ensejem busca e apreensão”, escreveu, referindo-se à investigação sobre o episódio que envolveu Moraes.
Trata-se de um suposto crime que se consuma com as ofensas proferidas, e, portanto, as provas seriam gravações e depoimentos de testemunhas. Por isso, juristas e políticos consideram ilegal a busca e apreensão autorizada pela presidente do STF, Rosa Weber. Esse tipo de investigação, conhecida como fishing expedition (uma busca especulativa), é proibida pela legislação brasileira.
Ex-defensor público e professor de Direito, Caio Paiva disse que “é muito raro o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar em caso de crime contra a honra”, como aconteceu no caso de Moraes. “Desconheço outro exemplo.” Ele também escreveu que “se o objetivo da busca é verificar — a partir de um crime contra a honra, em outro país — eventual envolvimento no financiamento dos atos antidemocráticos, o caso me parece tangenciar a ilegal fishing expedition(pescaria probatória).”
Competência do STF para investigar o caso de Moraes
Outro questionamento é sobre a competência do STF para investigar o fato. Pela Constituição Federal, somente pessoas com foro por prerrogativa de função (foro privilegiado) respondem por crimes no STF, o que claramente não é o caso dos suspeitos de hostilizar Moraes.
Tecnicamente, seguindo a legislação brasileira, a responsabilidade seria da Justiça Federal de São Paulo. “E qual a razão do foro privilegiado no STF? O caso deveria estar tramitando em 1º grau em São Paulo”, escreveu Chemim.
O Código de Processo Penal, no artigo 88, prevê que o foro para crimes cometidos fora do país é o da capital do Estado onde por último houver residido o réu, antes do crime. Foi o que explicou o também procurador Vladimir Aras, em uma postagem.
A procuradora Monique Cheker comentou a “seletividade da apuração criminal e da atuação da justiça”.
Mestre em Direito, o advogado constitucionalista e professor Andre Marsiglia disse que o STF não tem competência para julgar o caso e que os mandados e busca e apreensão também são ilegais. “STF julgar crime contra a honra de ministro praticado por pessoas sem foro privilegiado — não existe. Mandado de busca e apreensão em razão de crime contra a honra — não existe, pior ainda se ocorrido no exterior.”
Competência para investigar crime cometido no exterior
Outro ponto questionado é se o Brasil teria competência para investigar o crime — de injúria ou difamação ou desacato a servidor público — ocorrido em território estrangeiro. Um dos requisitos do Código Penal para permitir a investigação nacional é que o crime seja passível de extradição, ou seja, que a pena seja superior a dois anos.
Nos casos de injúria e difamação, a pena não alcança dois anos e, portanto, não poderiam ser punidos no Brasil, assim com eventual vias de fato, já que é contravenção penal e, portanto, não é punível quando praticada no exterior. Somente o desacato de servidor público no exercício da função ou em razão dela poderia ser punido no Brasil, já que a pena é de seis meses a dois anos.
Entretanto, se considerado o Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, de 1989, injúria e difamação poderiam ser punidos aqui porque o acordo prevê extradição para crimes puníveis com pena acima de um ano.
“Esta é a interpretação mais correta, porque faz valer a lei especial (lei especial derroga a lei geral) sobre a regra geral. Como o fato ocorreu na Itália, a lei de regência para o caso é a do tratado ítalo-brasileiro, por especialidade”, escreveu Vladimir Aras, membro do Ministério Público Federal e professor universitário.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, considerou a medida do STF justa e adequada, porque não se “naturaliza” esse tipo de comportamento. O presidente Lula foi além: disse que pessoas como os brasileiros suspeitos de hostilizar Moraes devem ser extirpados.
Revista Oeste