Um mistério se desenrola nos mares. Orcas têm abalroado embarcações na Europa, num comportamento até agora sem explicação e que parece se espalhar. Os animais miram especificamente no leme, numa demonstração de que se tratam de ações planejadas, pois após o barco parar vão embora e se dão por satisfeitos. Nenhum ser humano foi morto. Mas o comportamento observado em Portugal, Espanha, Gibraltar e, agora, na Escócia intriga cientistas e amedronta tripulações.
Uma possível explicação é que se trate de uma reação a alterações no oceano associadas à ação humana, sejam mudanças climáticas, estresse devido à poluição, à redução da peixes ou pelo número cada vez maior de embarcações. Outra hipótese é que seja uma mania ou “modismo” de orcas que esteja se disseminando pelos mares.
Os casos, que cientistas chamam de “interações”, começaram ao que tudo indica em 2020 ao largo da Península Ibérica. As intenções das orcas são desconhecidas. Podem estar reagindo ao que sentem ser uma ameaça, mas podem estar só em busca de diversão.
Em 2023, segundo a ONG portuguesa Orca Atlântica, foram 53 interações só na área do Estreito de Gibraltar, sendo 31 avistamentos e 12 ataques a barcos, três dos quais naufragaram. Mas as orcas não atacaram os tripulantes. No total, desde 2020, os pesquisadores estimam que podem chegar a 500 interações, a maioria sem consequências, mas ainda assim intrigantes.
Os casos têm o mesmo modo de ação. Primeiro, se aproximam discretamente do barco. Quase sempre a tripulação nem se dá que está sendo espreitada por gigantes, que podem chegar a oito metros. Elas passam um tempo observando a embarcação.
Então, numa ação orquestrada, mergulham sob o barco. E reaparecem já batendo no leme com a cabeça. Quebram o leme, fazem o barco girar e, em alguns casos, virar. As orcas claramente parecem saber que podem controlar o barco se focarem no leme.
Quanto mais veloz estiver o barco, mais as orcas batem. E a perseguição pode durar até mais de uma hora, com os animais emergindo, batendo e sumindo, até se satisfazerem e desaparecerem de vez.
— Orcas são animais extremamente inteligentes e a repetição desse comportamento em populações distintas desses cetáceos chama a atenção. Pode ser uma reação a alterações associadas à ação humana — afirma José Lailson Brito Junior, oceanógrafo e um dos coordenadores do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua) da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Até junho, a explicação mais provável era que se tratasse de um comportamento de defesa de uma população específica de orcas, a Ibérica, iniciado por uma orca batizada por pesquisadores portugueses de Gladys. Ela e seu grupo de 15 cetáceos viralizaram em redes sociais atormentando velejadores.
Líder de um grupo de orcas que vive da costa de Portugal a Gibraltar, Gladys teria sido abalroada por um veleiro e, num mecanismo de defesa, passado a atacar barcos. Como as orcas são altamente sociáveis e aprendem com os mais velhos, o comportamento da matriarca teria sido passado adiante.
Porém, a hipótese da Gladys vingativa pode ter caído por terra ou ganhado um novo capítulo em águas escocesas. Pois foi lá que outro grupo de orcas, de uma população distinta, sem relação com as ibéricas, atacou um veleiro de sete toneladas no Mar do Norte, nas Ilhas Shetlands, um arquipélago na costa da Escócia, a mais de três mil quilômetros de distância das águas frequentadas por Gladys e família.
Fonte: O Globo.