Em uma ofensiva para despolitizar corporações com forte influência do bolsonarismo, o governo discute acelerar a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga militares a se desligarem das Forças Armadas ou migrarem para a reserva caso pretendam disputar eleições ou assumir ministérios. Em outra frente, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, também articula enviar ao Congresso um projeto que proíba a filiação partidária de policiais federais, como revelou em entrevista ao GLOBO no domingo.
O ministro da Defesa José Múcio tratou do assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, na quinta-feira, em uma reunião no Palácio do Planalto. Na avaliação do titular da Defesa, há consenso entre militares e parte do Congresso para aprovação da PEC, e esse ambiente deve ser aproveitado para levar o projeto adiante nas próximas semanas.
O Ministério da Defesa já elaborou um texto para a proposta, levado para a Casa Civil, e tem na aprovação da PEC uma das prioridades do segundo semestre. A proposta tem o apoio dos comandantes das três Forças.
Outra possibilidade avaliada pelo Planalto é deixar que um deputado apresente a proposição e que o governo não a encampe diretamente. O ministro, no entanto, defende que o Executivo endosse a iniciativa, pois já enxerga avanço no processo de despolitização dos quartéis.
Com desejo de levar adiante projeto semelhante, o diretor-geral da PF gostaria de vê-lo aprovado até o aniversário de 80 anos da instituição, em março do ano que vem. O assunto já foi tratado entre Rodrigues e Múcio. A Polícia Federal também deve levar ao Congresso um texto no segundo semestre. O diretor entende que a filiação de agentes e delegados causa “um desequilíbrio do sistema democrático” e permite que “o candidato se projete e use a instituição para proveito próprio.”
— Quem quiser se candidatar terá que ser exonerado e cumprir uma quarentena de pelo menos dois anos — defendeu Rodrigues em entrevista ao GLOBO.
De acordo com a PF, foram 24 candidaturas oriundas da corporação em 2022, contra 31 em 2018. Já um levantamento do GLOBO apontou, após o pleito do ano passado, que 56 militares da ativa se lançaram às urnas na ocasião.
Na segunda-feira, o diretor-geral da PF e o comandante do Exército, Tomás Paiva, participaram de um almoço para azeitar a relação entre as instituições, segundo a colunista do GLOBO Bela Megale. A agenda aconteceu no Ministério da Defesa e foi articulada por Múcio com o ministro da Justiça, Flávio Dino, a quem a corporação está subordinada.
O tom da conversa, ainda de acordo com Bela Megale, foi o de focar nas convergências e ações desenvolvidas pela Polícia Federal e pelas Forças Armadas e minimizar conflitos. O clima entre as duas instituições se acirrou em meio à disputa de militares e policiais federais pela segurança pessoal do presidente Lula.
Quanto à articulação para barrar a politização nas Forças Armadas, Múcio quer que a regra já valha para as eleições de 2024. Aliados do presidente entendem que o militar que retorna à Força após a disputa eleitoral passa a levar a política partidária para dentro dos quartéis. Outro argumento é de que o militar que ocupou cargo público de chefia, como o de ministro, não retornará ao quartel com o mesmo nível de obediência ao seu superior hierárquico, um dos pilares da vida militar.
A iniciativa já conta com resistências no Congresso. Líder da bancada da bala na Câmara, o deputado Alberto Fraga (PL-DF) avalia que não há ambiente para a discussão, e seu grupo, formado por 298 parlamentares, trabalhará contra o avanço das propostas.
— Se o servidor público pode voltar (após perder eleição), por que o militar e o policial federal não podem? — questiona.
Contenção de danos
No caso da proposta articulada pela Defesa, aliados do presidente também avaliam que é uma alternativa para desestimular a evolução no Congresso de outro projeto, que altera o artigo 142 da Constituição. Múcio trabalha para evitar que esse texto avance, por acreditar que sua eventual aprovação poderia criar outra crise na delicada relação entre o governo Lula e a caserna.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) é um dos que defendem alterações no artigo 142 para que o emprego das Forças Armadas em ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) seja restringido. O objetivo é afastar a ideia, defendida equivocadamente por bolsonaristas, de que as Forças Armadas são um poder moderador.
— O que a gente propõe é que as Forças possam ser usadas numa crise de segurança pública desde que haja autorização do Congresso — disse Zarattini.
Antes mesmo de a proposta chegar ao Congresso, Múcio tem abordado o assunto com deputados e senadores. Por se tratar de uma proposta de mudança na Constituição, o texto precisa do apoio de 60% dos deputados, 308 votos, e dos senadores, 49, para ser aprovada.
Proposta semelhante à discutida pelo governo agora já foi apresentada pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e acabou não prosperando. O texto tinha por objetivo impedir militares da ativa de assumirem cargos no governo e foi apresentada em 2021 na Câmara, mas está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
O projeto foi apelidado de PEC do Pazuello, em referência ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que assumiu a pasta quando ainda estava na ativa como general. Pazuello deixou o ministério em agosto de 2020 e voltou para o Exército, como militar da ativa. Em 2022, foi eleito deputado federal pelo Rio, já na reserva, com a segunda maior votação do estado. (Colaborou Marlen Couto)
Créditos: O Globo.