A empresária Wilma Petrillo, viúva da cantora Gal Costa, que morreu aos 77 anos de idade, em novembro do ano passado, é tema de uma grande reportagem de Thallys Braga na edição de julho da revista Piauí, em que foram entrevistadas treze pessoas: seis ex-funcionários de Gal, seis amigos e um parente.
Nos depoimentos, Wilma é acusada de assédio moral contra ex-funcionários, ameaças e golpes financeiros, além de ser acusada de ter levado Gal, uma das maiores e mais bem-sucedidas artistas da MPB, à falência.
Golpe, ameaças e exposições sobre orientação sexual
A matéria começa com o médico Bruno Prado que, após se tornar próximo de Gal e Wilma, diz que a empresária chegou a pedir entre R$ 10 mil e R$ 15 mil para uma cirurgia nos olhos, a mesma que Gal teria feito recentemente. Ele teria emprestado o dinheiro e diz que não recebeu o pagamento da dívida no prazo combinado.
Ele, então, como forma de retaliação, teria deixado de ser convidado para os shows e para a casa de Gal. No círculo cultural de Salvador, a matéria da Piauí diz que circulavam histórias de que Wilma teria aplicado golpes em outras pessoas e que amigos de Gal até preferiam manter distância da empresária e esposa da cantora.
Bruno, que é gay e ainda não havia revelado à sua família sua orientação sexual, contou seu segredo a Wilma, que teria passado a usar isso contra ele. “Se você continuar me cobrando, eu vou fazer uma coisa muito bonitinha: conto pro teu pai que você é viado”. “Quando ela falou isso, eu tremi”, relembra ele, que decidiu escrever um e-mail para Gal contando toda a história.
Gal, então, prometeu que o pagamento da dívida seria feito por Wilma. A empresária, inclusive, cumpriu a promessa e Bruno contou sobre a orientação sexual ao pai dele. Porém, o medo e pensamentos suicidas de Bruno foram substituídos pelo acolhimento familiar ao saber que ele era gay.
Wilma, então, segundo a matéria, teria seguido com ameaças. “Você vai tomar uma surra tão bonita que vai aprender a respeitar os outros”. “Ela dizia coisas como: ‘você não tem vergonha de pedir dinheiro para uma mulher mais velha, sua bicha?’. Bruno fez um boletim de ocorrência na delegacia, na época, também explicado pela reportagem.
Mesmo assim, Wilma não teria parado com as ameaças: durante uma viagem a Nova York, ela teria ligado para Bruno dizendo que sabia o hotel em que ele estava hospedado e, por ter morado na cidade, ‘conhecia gente que poderia dar um jeito nele’. Ele viajou para outro estado dos EUA e diz que, logo depois, recebeu finalmente o cheque com o valor que havia emprestado a Wilma. Nunca mais falou nem com ela nem com Gal.
Boicotes, assédio moral e depressão
Já o produtor Ricardo Frugoli diz que trabalhar com Wilma foi de más lembranças. Gal, inclusive, teria perdido oportunidades de shows no Brasil e na Europa por causa do comportamento da mulher da artista.
Entre as intrigas, acusações infundadas de furto e ex-funcionários com episódios de depressão causados por humilhações nos bastidores.
Ricardo, então, um dia abriu o jogo com Gal sobre o que acontecia, mas ela ficou furiosa ao supor que poderia estar sendo roubada e ambos nunca mais tocaram no assunto. Mesmo com o bullying que sofria, ele diz que continuou por causa de Gal.
“Durante muito tempo, fui o cara que não deixou a bomba explodir. Continuar ali era importante para protegê-la do que vinha acontecendo na carreira e dentro de casa”. Ele também chegou a fazer um boletim de ocorrência contra Wilma por ameaças. A demissão dele veio quatro dias depois da denúncia.
Dívidas e ‘buraco negro no banco’
Entre os bens de Gal deixados para o único filho, Gabriel, o item de maior valor é um imóvel, segundo reportagem da Piauí, comprado por R$ 5 milhões em 2020, no bairro dos Jardins. Um ex-funcionário que trabalhou com Gal até sua morte diz que a conta da cantora era ‘um buraco negro’.
Todos os entrevistados pela Piauí concordam que as finanças de Gal foram minadas no período em que Wilma e Gal estiveram juntas. As dívidas iam de restaurantes, a mensalidades da escola de Gabriel, pagamentos de empregados e até à Receita Federal dos Estados Unidos.
Wilma teria barrado até mesmo um show de Gal no prestigiado Carnegie Hall, em Nova York. “Na próxima vez que ligarem, diga que a Gal não gosta de se apresentar nos Estados Unidos”, disse Wilma. Ao comentar com Gal o comentário de Wilma, a cantora negou. “Isso é mentira”.
Segundo Gal a amigos, ela não retornava aos EUA por medo de ser presa, já que Wilma vendeu um imóvel dela em Nova York e não pagou os impostos devidos.
Relacionamento abusivo
Um dos dois funcionários que trabalharam também com demandas pessoais de Gal e Wilma diz que chegou a testemunhar uma discussão das duas em 2015. “O dinheiro entra e some, as dívidas não param de chegar. Que tipo de empresária é você?”, questionou Gal. “Você é uma velha, as pessoas não querem mais te contratar”, rebateu Wilma. O funcionário disse que o atrito entre elas teria chegado a ser físico.
Shows contratados, inclusive, não chegaram a acontecer, pois documentos não eram assinados por Wilma. Gal teria dito que ‘se largasse Wilma, ela leva metade de tudo que eu tenho, sem nunca ter trabalhado de verdade para conseguir alguma coisa’.
Sonia Braga também teria se afastado de Wilma depois de também ter sido vítima de um suposto golpe. A atriz, porém, não respondeu aos pedidos de entrevista à Piauí.
Afastamento de amigos e familiares
Guto Burgos, irmão de Gal, tornou-se, em 1993, representação da família para a cantora, mas não participou dos últimos anos da irmã. Ele ainda diz que foi afastado da irmã por Wilma em 1997. “Por favor, eu não quero mais falar disso. É um assunto que me dói muito”, disse ele.
Burgos conta ainda que Gal teve oito salas comerciais no Rio de Janeiro, que lhe rendiam aluguéis, uma cobertura e um apartamento na Praia Guinle, um condomínio de luxo na Praia de São Conrado, no Rio de Janeiro. A Piauí ainda encontrou quatro salas comerciais no Leblon e dois imóveis em São Conrado, todos registrados no nome de Gal. “Também tinha imóveis em Salvador, Trancoso e Nova York. Como dói saber que ela morreu sem nada disso. Parece que todo o trabalho dela foi em vão”, lamenta ele.
Gal ainda tinha uma granja em Petrópolis, onde passava fins de semana com a atriz Lúcia Veríssimo, que teria sido sua namorada durante anos. O espaço, porém, foi vendido por elas em 1992 e transformado em escola e, mais tarde, em uma pousada.
O médium Halu Gamashi, que também era próximo de Gal, lembra que, por causa do ciúmes de Wilma, passou a se encontrar com a cantora em sigilo. Ele relembra que, em 1995, ouviu Wilma perguntar se Gal não sentia vergonha por estar tão gorda. “Você está pensando que é quem, Nana Caymmi?”. Ele diz que estranhava que Gal ficasse quieta diante dessas situações.
Carreiras prejudicadas
Já o produtor Rodrigo Bruggermann, responsável pela organização dos shows de Recanto nas cidades do sul do Brasil, categoriza Wilma como ‘a pior pessoa com quem lidei nesse meio’. “Além de ser grosseira, ela fazia mudanças de última hora e aplicava taxas surpresa”. Ele conta ainda que Gal não fazia participação especial nos shows de ninguém, ao contrário de outros cantores da MPB, porque Wilma não teria permitido. “Provavelmente nem deixava os convites chegarem até ela.”
Outro prejudicado teria sido o empresário Maurício Pessoa que conta que, em 2013, sofreu um tombo financeiro com Gal que também envolveria Wilma. Ele conseguiu um patrocínio de R$ 700 mil da Natura Musical com seis shows e gravação de um álbum ao vivo em que Gal interpretaria canções de Lupicínio Rodrigues. Wilma, porém, teria dito que só daria continuidade se recebesse de imediato 80% do valor, ou seja, R$ 560 mil. Ele aceitou e os primeiros shows aconteceram só em 2015, aos trancos e barrancos.
“Wilma sempre dizia que a agenda da Gal estava apertada”, relembra ele. O problema veio na hora de gravar o disco, já que Wilma parou de responder às mensagens dele e, quando finalmente conseguiu, ela alegou que Gal não tinha mais tempo para continuar no projeto. A gravação foi marcada para 2017 mas, nada data combinada, ninguém apareceu. Conclusão: a Natura não pagou os R$ 140 mil restantes e Pessoa estima que ficou com um prejuízo de mais de R$ 1 milhão.
Pós-morte de Gal
Outra polêmica envolvendo Wilma é com relação ao local do enterro de Gal: Burgos deu o recado para ser passado a Wilma de que a irmã deixou claro seu desejo de ser enterrada no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, ao lado da mãe, onde comprou um jazigo perpétuo. Wilma, porém, decidiu que o corpo ficaria em São Paulo, no mausoléu da família dela, no Cemitério da Consolação.
Recusa à entrevista e ‘medidas judiciais cabíveis’
Wilma chegou a ser procurada pela Piauí algumas vezes, mas chegou a bloquear a repórter no WhatsApp e não atendia às ligações. O advogado dela, logo depois, mandou uma ‘advertência’ por escrito à revista para que não publicasse a reportagem, sob pena de sofrer ‘as medidas judiciais cabíveis’. A Piauí voltou a procurar Wilma para ouvir sua versão, mas ela novamente não respondeu.
Wilma Petrillo e Gal Costa (1945-2022) — Foto: Reprodução
Créditos: Revista Quem.