A ideia de anistiar Jair Bolsonaro dos crimes que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lhe atribuiu na semana passada, tornando-o inelegível por oito anos, tem um longuíssimo caminho a percorrer antes de produzir qualquer efeito.
Terá de passar por comissões na Câmara, votação no plenário da mesma Casa, apreciação no Senado e sanção na Presidência da República – ocupada por Lula, que tem o hábito de acariciar seu antecessor com palavras como “coiso” e “fascista”.
Ainda que todos esses obstáculos sejam superados e a ideia se transforme em lei (o que parece improvável), com certeza absoluta haverá questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Esse é o único ponto que me atrevo a comentar aqui, por uma razão: a corte tem precedentes sobre concessão de anistia.
O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) e os mais de 70 colegas que até esta terça-feira (4) subscreveram seu projeto de lei pretendem o seguinte: “Ficam anistiados os condenados por ilícitos cíveis eleitorais ou declarados inelegíveis do período de 2 de outubro de 2016 até a data de entrada em vigor desta lei”.
O caso é bastante parecido com o de uma ação direta de inconstitucionalidade julgada em dezembro de 2005, a ADI 1.231. Naquela ocasião, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) procurou derrubar uma lei que limpava a barra de políticos que participaram das eleições de 1994 e em seguida foram processados ou condenados com base na legislação eleitoral.
Apenas três ministros que compunham o STF naquele momento julgaram a lei inconstitucional: Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto e o recém-falecido Sepúlveda Pertence. Os demais rejeitaram todos os argumentos da OAB —inclusive Gilmar Mendes, que ainda está na corte. Consideraram que não cabia restringir o direito de conceder anistia que a Constituição atribuiu ao Congresso; que o fato de a lei beneficiar os próprios políticos não feria os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa; finalmente, que não havia desvio do poder de legislar, pois, segundo o ministro-relator Carlos Velloso, “a anistia tem natureza política e abrange qualquer sanção imposta por lei”.
Há, obviamente, um outro julgamento famoso do STF que poderia se aplicar a um novo caso: o da Lei da Anistia de 1979. A autora da ação, mais uma vez, foi a OAB, que argumentava que a Constituição de 1988 não era compatível com o perdão aos crimes cometidos durante o regime militar. No julgamento de 2010, o tribunal disse que era preciso levar em conta as circunstâncias históricas e não interferir no pacto político que havia resultado na edição da anistia de 1979.
Repito: é difícil imaginar que a lei que pretende anistiar Bolsonaro vá passar incólume por todos os trâmites legislativos, a ponto de ser analisada no STF. Mas, se isso por acaso acontecer, os precedentes da corte são favoráveis à proposta. Para dizer o contrário, o tribunal teria de dar outra de suas cambalhotas interpretativas — e seu melhor ponto de apoio seria a polêmica sentença recente que invalidou o perdão concedido por Bolsonaro, quando ainda estava na Presidência, ao seu aliado Daniel Silveira.
O Antagonista