A Argentina repatriou um dos aviões que foram utilizados para realizar aqueles que ficaram conhecidos como voos da morte. No período da ditadura no país, pessoas consideradas inimigas do estado eram jogadas de aviões em pleno mar.
Avião repatriado estava nos EUA
O avião repatriado no fim de junho é um dos cinco idênticos comprados pela Prefeitura Naval da Argentina em 1971. Ele foi localizado em 2010 nos Estados Unidos após um trabalho de pesquisa da jornalista Miriam Lewin e do fotógrafo italiano Giancarlo Ceraudo.
Lewin é uma sobrevivente da prisão ilegal ocorrida durante a ditadura. Ela escreveu o livro “Skyvan: Aviones, Pilotos y Archivos Secretos”, onde conta a jornada em busca do avião.
O exemplar repatriado passou por diversas empresas até ser registrado pela Win Aviation nos EUA. Ali ele foi utilizado para realizar saltos de paraquedismo nos últimos dez anos até voar para seu destino no museu em junho passado.
Antes disso, ainda na década de 1980, dois dos cinco exemplares haviam sido destruídos nas Malvinas. Segundo Lewin, os outros três, incluindo o PA-51, estavam em um hangar na Argentina sem poder voar desde aquela época.
Em 1995, foram vendidos para uma empresa com sede em Luxemburgo, indo para os Estados Unidos na década seguinte. O PA-51 é um SC.7 Skyvan, fabricado no início da década de 1970 pela empresa Shorts, sediada na Irlanda do Norte.
A iniciativa em trazer a aeronave de volta partiu de familiares de vítimas e foi viabilizada pelo governo argentino. Ele será exposto no Museu da Memória, localizado onde ficava o centro de prisão clandestino.
O avião registra centenas de operações no último ano de acordo com plataformas de rastreamento de voos, ou seja, ainda estava operacional. Em 24 de junho, o avião pousou no Aeroparque de Buenos Aires, naquele que é considerado seu último voo.
Quais aviões eram utilizados?
Além do Skyvan, a ditadura argentina utilizava outras aeronaves para realizar os voos da morte. Entre elas, estão:
L-188 Electra
Fokker F27
Twin Otter
Fiat (Aeritalia) G.222
C-130 Hercules
O que eram os voos da morte?
Os voos da morte eram operações clandestinas dos militares da Argentina durante a ditadura no país (1976-1983). Um dos principais locais onde isso acontecia era na capital Buenos Aires.
Pessoas consideradas inimigas à época eram presas no prédio da então ESMA (Escola Superior de Mecânica da Armada). O local é uma instituição militar que operava como o maior centro de detenção e tortura do país.
Estima-se que cerca de 5.000 foram durante a ditadura no local. De 3.000 a 4.000 teriam sido jogadas de aviões ao mar durante todo o período, estimam órgãos de direitos humanos.
Presos eram enganados para serem dopados. As vítimas dos voos eram informadas que seriam transferidas, mas que precisavam tomar uma vacina. Elas eram sedadas com substâncias como pentotal ou ketalar. Em seguida, eram levadas para o Campo de Mayo, uma base militar próxima a Buenos Aires.
Dentro dos voos, eram jogados sem roupas e ainda vivos no rio da Prata ou no mar durante a noite. Em outros casos, os voos eram usados para jogar corpos de pessoas que haviam sido fuziladas.
Essas operações serviram como duas metodologias para os militares. Uma de extermínio e outra de ocultação de cadáveres.
O país ainda conta até hoje com milhares de desaparecidos políticos. Outros locais do país também realizavam a prática além da Esma e do Campo de Mayo, aumentando o número de pessoas mortas pela prática.
A prática começou a ser descoberta quando corpos começaram a surgir na costa da Argentina e do Uruguai. Restos das aeronave utilizadas nesse período ainda se encontram espalhados pelo país. Do avião que foi repatriado, foram jogadas ao mar, entre outras pessoas Esther Ballestrino, Azucena Villaflor e María Ponce, fundadoras da organização Mães da Praça de Maio, as religiosas francesas Alice Domon e Léonie Duquet, além de outros sete presos em um voo ocorrido em dezembro de 1977.
Em 2022, quatro militares daquele país foram condenados à prisão perpétua pelos crimes. O julgamento marcou o reconhecimento formal pela Justiça da existência dos voos da morte como ferramenta de extermínio.
Retorno de avião recebe críticas
Embora seja um marco da memória nacional, o retorno do avião também foi criticado.
Algumas pessoas defendem que ele deveria ser destruído. Outras afirmam que trazê-lo de volta é uma forma de voltar abrir as feridas causadas pelos crimes ocorridos na ditadura argentina. Leia reportagem do UOL.
Algumas organizações, entretanto, defendem o seu retorno e exposição. Isso serviria como prova da crueldade que o país foi capaz de cometer em um período onde desaparecimentos eram recorrentes.
Consultados, o Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Argentina, o Museu da Memória e a empresa Win Aviation não responderam qual o valor foi gasto para repatriar o avião.
Créditos: Uol.