Decisões da Suprema Corte dos EUA na última semana em relação a casos relacionados ao tema da liberdade de expressão desanimaram ainda mais o Ministério da Justiça do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu objetivo de conseguir a extradição do influenciador bolsonarista Allan dos Santos, que está no país desde 2020.
Allan é considerado foragido desde que foi ordenada sua prisão preventiva no inquérito das fake news, em 2021, a pedido da Polícia Federal. Ele é alvo de apurações que tramitam no Supremo Tribunal Federal sobre a existência de uma milícia digital para atacar a democracia e as instituições.
Após a ordem de prisão, o Brasil acionou os Estados Unidos, por meio do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional), e enviou o pedido à Interpol para inclusão na difusão vermelha. Em geral, a inclusão ocorre de maneira célere, o que não ocorreu dessa vez —de forma inédita, como mostrou a Folha.
Como revelou o Painel, em janeiro, a pasta de Flávio Dino procurou o governo dos Estados Unidos e a Interpol, em Lyon (França), com o objetivo de acelerar o processo de extradição.
Desde então, no entanto, os trâmites não evoluíram, e a percepção no ministério é a de que um desfecho exitoso é improvável. Isso porque a maneira que os Estados Unidos abordam juridicamente o tema da liberdade de expressão, no qual se insere o caso do influenciador, é bastante distinto da maneira brasileira, comparativamente mais restritiva.
Os dois casos da última semana foram vistos por representantes do Ministério da Justiça brasileiro como emblemáticos em relação às dificuldades que encontram em conseguir que Allan dos Santos seja enviado para o Brasil.
Na terça-feira (27), a Suprema Corte dos EUA reverteu a condenação de um homem do estado do Colorado, Billy Counterman, que enviou milhares de mensagens pelo Facebook —incluindo afirmações antes interpretadas como ameaças de morte— a uma cantora que nunca chegou a encontrar pessoalmente. O entendimento foi de que o réu estaria protegido pela Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão.
Lorie Smith, designer evangélica do mesmo estado, foi beneficiada por interpretação similar da Suprema Corte, que determinou que o direito à liberdade de expressão permite que ela se recuse a criar produtos para casais gays.
Nos últimos anos do Brasil, durante a gestão Jair Bolsonaro (PL), o Supremo Tribunal Federal e outras instâncias da Justiça agiram no sentido de afirmar que a liberdade de expressão não é absoluta e não comporta o cometimento de crimes.
A tensão desembocou na declaração de inelegibilidade do ex-presidente. Bolsonaro e seus aliados argumentam que ele fez uso da liberdade de expressão ao convidar embaixadores estrangeiros para uma reunião em julho do ano passado, a três meses das eleições, e fazer afirmações falsas e distorcidas sobre o processo eleitoral, alegando estar se baseando em dados oficiais, além de buscar desacreditar ministros do TSE.
No entendimento da maior parte dos ministros do TSE, no entanto, ele cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Ministro da Justiça, Flávio Dino tem também reforçado o argumento de que a liberdade de expressão não pode ser absoluta em seu embate com as grandes empresas de tecnologia que atuam no Brasil, especialmente o Twitter, pressionando-as no sentido de criar mais mecanismos para prevenir a disseminação de conteúdo que possa incentivar atos de violência e articulando para a implementação de uma regulamentação como a prevista no PL das Fake News.
Levantamento do Datafolha divulgado neste sábado (1º) mostrou o posicionamento dos brasileiros a respeito do assunto. Para 61%, não é possível postar qualquer coisa em redes sociais, enquanto 38% creem que a regra deveria ser esta.
Créditos: Folha de S. Paulo.