O pesquisador Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), vai ser o primeiro cientista brasileiro a ir para o espaço, mais especificamente para a Estação Espacial Internacional (a ISS). Muotri é um dos mais respeitados cientistas do mundo em transtornos do desenvolvimento neurológico, principalmente o autismo.
Muotri será considerado o 1º cientista no espaço já que Marcos Pontes, o primeiro brasileiro, é engenheiro de formação e militar. A previsão da viagem do pesquisador foi anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se reuniu com Muotri, na terça-feira (27).
Em entrevista ao g1, o pesquisador contou que deve viajar ao espaço em novembro de 2024, em uma missão bastante especial e ambiciosa, cujos resultados podem ajudar, inclusive, na colonização de outros planetas.
Alysson Muotri deve passar cerca 10 dias na ISS executando diversos experimentos com os chamados “minicérebros”;
Minicérebros são uma versão reduzida do nosso mais complexo órgão: são formados a partir de “células-tronco pluripotentes”, reprogramadas de células periféricas (sangue, polpa de dente ou pele) do próprio individuo seguindo uma complexa receita química.
Os minicérebros não possuem estrutura completa nem consciência, mas simulam de forma simples a organização celular encontrada no cérebro humano;
Um dos principais objetivos da pesquisa na ISS é entender os efeitos da microgravidade nesses organoides e, consequentemente, no cérebro dos astronautas.
Em 2019, em colaboração com a Nasa e a Universidade da Califórnia, o pesquisador já tinha enviado minicérebros para o espaço. Com a pesquisa, ele constatou que as células cerebrais envelhecem mais rapidamente nesse ambiente: cerca de 10 anos em um mês.
Como numa viagem muito longa ao espaço o cérebro humano pode sofrer com as consequências desse desenvolvimento cerebral acelerado, entender melhor agora como superar essa e outras barreiras, como busca Muotri, é um dos principais desafios para o sucesso da colonização da Lua ou até mesmo de outros planetas.
“Antes eu estava limitado a uma plataforma robótica. Ter um cientista fazendo experimentos em microgravidade é um privilégio”, afirma Muotri, que também é chefe da startup de biotecnologia Tismoo e do Muotri Lab, laboratório da (UCSD) que realiza pesquisas avançadas sobre autismo e outras doenças neurológicas.
O cientista será o terceiro brasileiro a ir ao espaço – é claro, se tudo der certo. No ano passado, o engenheiro Victor Hespanha fez um voo suborbital de cerca de 10 minutos e se tornou o segundo brasileiro a ir ao espaço (mas não à ISS).
O primeiro foi o astronauta Marcos Pontes, que em 2006 foi à Estação Espacial. À época, o engenheiro aeronáutico fez alguns vídeos na plataforma e levou experimentos selecionados pela Academia Brasileira de Ciências com foco também na microgravidade.
Muotri possui centenas de publicações cientificas nas maiores revistas científicas do mundo e recebeu inúmeros prêmios decorrentes de suas descobertas. No ano passado, um estudo em que ele foi co-autor conseguiu inclusive testar com sucesso modelos de terapia genética para reverter os efeitos da Síndrome de Pitt-Hopkins, uma disfunção neuropsiquiátrica que tem características de transtorno do espectro autista (TEA). A pesquisa também usou organoides cerebrais, como são chamados tecnicamente os minicérebros.
Fora isso, esse modelo simplificado do cérebro humano forneceu a cientistas informações cruciais sobre por que o vírus da Zika causou um surto de defeitos congênitos no nordeste do Brasil em 2015. E Muotri também participou dessa pesquisa.
Mas agora, com sua viagem marcada à ISS no próximo ano, o futuro primeiro cientista brasileiro no espaço conta que busca executar experimentos mais complexos que ajudarão na colonização espacial, descobrindo formas de proteger o cérebro de astronautas dos efeitos da microgravidade.
Muotri disse que ainda não pode dar detalhes da sua preparação para a viagem e de como será o projeto especificamente. Apesar disso, o pesquisador afirma que estão previstas outras idas de sua equipe para a ISS, embora ele mesmo deva ir na primeira missão.
O pesquisador também pretende abrir seleção para levar pesquisas de outros colegas do país para a Estação Espacial Internacional (ISS). O objetivo dele é integrar a ciência do Brasil a essa viagem planejada para 2024.
Viagem marcada
Nesta semana, o Muotri chegou a se encontrar com presidente Lula e a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, para a apresentação do projeto em uma audiência.
Em uma rede social, o presidente Lula confirmou inclusive que o cientista deve se tornar o primeiro cientista do país a ir para a ISS, mas o governo brasileiro, no entanto não deu detalhes da iniciativa.
Em nota, o Ministério da Ciência e Tecnologia informou que não financiará o projeto, e indicou que os investimentos devem ser todos custeados pela Universidade da Califórnia.
O g1 também entrou em contato com a assessoria de imprensa da UCSD e da ISS na Nasa para confirmar detalhes das missões à estação, mas também não obteve retorno.
Apesar disso, se todo o planejamento se concretizar, o cientista passará mais de uma semana na estação conduzindo no próximo ano sua pesquisa em torno da microgravidade.
Microgravidade e minicérebros
É a microgravidade, por exemplo, que faz com que os astronautas flutuem no espaço. Apesar de parecer fascinante para muitos terráqueos, essa gravidade muito pequena – que faz com que pessoas e objetos não pareçam ter peso – traz também alguns problemas.
Por causa da condição, sem uma alimentação adequada e uma rotina de exercícios, por exemplo, os astronautas na ISS sofrem uma perda mais rápida de massa muscular na microgravidade do que ocorreria na Terra.
Além disso, a Nasa explica que diversos fluidos corporais se deslocam em direção à cabeça na microgravidade, o que pode exercer uma pressão nossos olhos e causar problemas de visão.
Entender então qual o impacto disso tudo no nosso cérebro a longo prazo, como deseja o pesquisador, é muito importante, visto que a própria Nasa tem objetivos ambiciosos para a exploração do espaço.
E nada melhor para isso do que uma estrutura que simula o nosso órgão, como os organoides de Muotri.
Os minicérebros, que podem atingir até 0,5 cm de tamanho e se assemelham a pequenos pedaços de tecido branco do tamanho de uma ervilha, possuem uma vantagem significativa: eles reproduzem o desenvolvimento do cérebro humano no útero.
Diferentemente do cérebro de um camundongo, que são muito utilizados em pesquisas científicas e atingem sua formação em aproximadamente 20 dias, um organoide cerebral humano leva nove meses para atingir uma semelhança funcional ao cérebro de um recém-nascido.
Existem, no entanto, algumas limitações para esses organoides, como conta Muotri, incluindo a falta de certos tipos de células e de suprimento de sangue. Além disso, eles são muito pequenos, contendo cerca de 2,5 milhões de neurônios (em comparação com os 86 bilhões de neurônios presentes no cérebro humano).
Da Lua para Marte
Apesar desses desafios, se conseguimos solucionar esses entraves teremos mais um indício de que a vida do homem fora da Terra poderá se tornar algo cada vez mais distante da ficção científica.
A Nasa espera inclusive que os próximos programas Artemis, as missões lunares tripuladas marcadas para essa década, servirão como uma espécie de experimento para o desenvolvimento da ciência astronômica que permitirá a exploração humana de Marte, visto que elas oferecem uma oportunidade perfeita para a testagem de ferramentas, equipamentos e tecnologias que podem ser úteis numa viagem de colonização ao planeta vermelho.
Para termos uma ideia da importância desse estudo, uma viagem só de ida ao Planeta Vermelho levaria cerca de nove meses. Nesse período, os efeitos da microgravidade impactariam bastante os astronautas selecionados para essa tarefa especial.
Mas isso é algo que deve ocorrer somente no final da próxima década, na melhor das expectativas.
Fora essa frente de pesquisa, na ISS, Muotri também realizará uma série de análises e testes com os minicérebros para o desenvolvimento de medicamentos e tratamentos neurológicos inovadores, que tragam novas possibilidades para lidar com transtornos como demência e Alzheimer.
Ainda segundo o pesquisador, a viagem de 2024 será apenas o primeiro passo para estudos do tipo.
“Inicialmente o foco é o cérebro humano, mas próximas missões devem abranger outras áreas da medicina e engenharia”, diz.
Créditos: G1.