Nesta quinta-feira (25), os olhos do setor automotivo estarão voltados à sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, é esperado para anunciar um pacote de medidas para aumentar o acesso ao carro zero quilômetro no país.
Uma das estratégias esperadas é de uma nova linha de crédito que compense as taxas de juros. Entre as possibilidades, está a liberação do uso de Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de um veículo.
A medida já foi ventilada no mês passado pela Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos, quando o presidente, Márcio de Lima Leite, citou uma iniciativa semelhante do Chile.
“Se houvesse uma medida como essa, de parte do FGTS do trabalhador ser utilizado para a renovação da frota, para compra do carro novo, para compra do primeiro carro ou para o programa que o governo entender que seja o adequado, isso teria um efeito muito importante na explosão das vendas e reaquecimento do mercado, na nossa avaliação”, completou.
Pela legislação atual, o Fundo de Garantia só pode ser sacado quando o trabalhador é demitido sem justa causa, aposentado ou para compra de imóveis, tratamento de doenças graves e situações emergenciais após desastres naturais. Na Câmara dos Deputados, há um Projeto de Lei (PL 2679/2022), de autoria de Pedro Lucas Fernandes (UNIÃO-MA), em tramitação nas comissões de Constituição e Justiça, Trabalho e Finanças e Tributação. O texto propõe que o benefício seja utilizado na compra de veículos novos e usados.
Proposta faz sentido?
Para Cássio Pagliarini, da Bright Consulting, a proposta de um carro popular a R$ 50 mil é praticamente impossível, mas a viabilização de novas formas de financiamento é necessária se a intenção for aumentar o acesso a automóveis.
“Considerando toda a legislação que temos hoje, com exigência de mais itens de segurança e menos emissões, é impossível reduzir o preço do carro a R$ 50 mil retirando equipamentos. O que vejo como possível é a redução de 3% no custo do carro, por parte das montadoras, e redução de 3% na carga tributária. Unindo isso à oferta de financiamento com taxas menores, e garantia de crédito para os bancos, tem-se uma estratégia viável.”
Ele explica que para baratear ou alongar o financiamento os bancos precisam de mais garantias, uma vez que os índices de inadimplência estão em alta. Segundo ele, o mercado fala no uso do FGTS como garantia ou parte do pagamento ou no empréstimo consignado – quando a parcela já é abatida no contra-cheque.
Medida não é bem vista por outros setores
Os recursos do FGTS são cobiçados, há anos, por diversos setores, sendo dominado pela construção civil. A grande questão é que cada área tem uma boa justificativa para o uso de uma verba que deveria ser um fundo de garantia para o trabalhador ao ficar sem renda.
Enquanto o setor automotivo pode argumentar que precisa do recurso para manter as fábricas – que empregam milhões de brasileiros – em funcionamento, o varejo pode ponderar que a compra de eletrodomésticos como fogão e geladeira são mais prioritárias para o consumidor. O lobby do mercado imobiliário – que perderia espaço com a decisão – também pode pesar contra a medida.
Para o consultor do mercado automotivo Ricardo Bacellar, além da questão social, o direcionamento do FGTS para o setor trataria o efeito e não a causa da queda nas vendas de automóveis.
“Mais do que conceder crédito, o governo precisa fazer com que as pessoas voltem a ter dinheiro para comprar carro. Ou seja, encontrar soluções para que as pessoas estejam empregadas e para aumentar a renda média do brasileiro. O governo tem que criar condições para isso ativando o mercado como um todo, não só o de automóveis. Porque o dinheiro para comprar carro sai do mesmo bolso que compra comida, eletrodomésticos, paga aluguel. E as pessoas estão sem dinheiro para o básico”, opina.
Ele explica que diversos setores da sociedade já estão incomodados com o fato de o governo estar se mobilizando para a volta do carro popular, em um momento em que há outras prioridades.
“Fatias da indústria como a automotiva, que empregam muita gente, devem usar a sua representatividade para discutir como ativar a economia reduzindo a taxa de desemprego e aumentando a renda. Isso resolveria o problema de todos”, argumenta Bacellar.