Análise de fósseis encontrados em sítio conhecido como Berço da Humanidade antecipa em 1 milhão de anos a presença de hominíneos na região. Descoberta é resultado de avanços em método de datação
Uma descoberta no complexo de cavernas conhecido como Berço da Humanidade altera a posição dos galhos da árvore da vida, antecipando em 1 milhão de anos a presença de ancestrais do homem na África do Sul. Esse sítio paleontológico considerado patrimônio mundial pela Unesco é famoso por abrigar alguns dos mais famosos hominíneos já encontrados: Mrs. Ples e Little Foot.
Hominíneos referem-se ao grupo formado pelo homem e por seus ancestrais Australopithecus (por sua vez, hominídeo é o termo que inclui, também, os outros grandes primatas). Esses parentes muito antigos eram bípedes, mas também subiam em árvores e, até onde se sabe, estão ligados diretamente ao gênero Homo. Há décadas, o estudo dos fósseis ajuda a entender a evolução humana e, agora, graças a um método de datação desenvolvido na Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, cientistas descobriram que os exemplares sul-africanos são bem mais antigos do que se imaginava.
Estudando a Caverna de Sterkfontein, no Berço da Humanidade, o geólogo Darryl Granger, professor de ciências atmosféricas e planetárias, constatou que os fósseis encontrados no local não têm de 2 milhões a 2,5 milhões de anos, como se acreditava. Em vez disso, datam de 3,4 milhões a 3,7 milhões de anos atrás, o que faz deles ainda mais velhos do que a famosa Lucy, apelidada de “mãe da humanidade”. Esse fóssil, escavado na Etiópia, tem 3,2 milhões de anos.
Granger é um especialista em datações de depósitos geológicos e, inclusive, já realizou trabalhos do tipo no Brasil (Leia entrevista). Como projeto de doutorado, desenvolveu um método para determinar a idade de sedimentos de cavernas soterradas pelo tempo e que, hoje, é utilizado por geólogos no mundo todo. Em 2015, também em Sterkfontein, o cientista datou o esqueleto de Little Foot com 3,7 milhões de anos, mas os outros fósseis do local tinham idade desconhecida.
No estudo publicado ontem na revista Pnas, da Academia Norte-Americana de Ciências, Granger e uma equipe de cientistas, incluindo pesquisadores da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, África do Sul, e da Universidade Toulouse Jean Jaurès, na França, descobriram que não apenas Little Foot, mas todos os Australopithecus de Sterkfontein são, ao menos, 1 milhão de anos mais velhos do que se pensava.
Segundo o cientista, Sterkfontein é um sistema de cavernas profundo e complexo que preserva uma longa história de ocupação hominínea da área. Compreender as datas dos fósseis no local, diz, pode ser complicado, pois, com o tempo, tanto rochas quanto ossos foram parar no fundo de um buraco profundo no solo, e há poucas maneiras de datar os sedimentos do tipo.
Na África Oriental, onde muitos fósseis de hominíneos foram encontrados, a existência de vulcões próximos, no Grande Vale do Rifte, facilita a tarefa, pois os depósitos de camadas de cinzas milenares podem ser usados para a datação. Mas, na África do Sul — especialmente em cavernas —, os cientistas não têm um recurso do tipo. Para estimar a idade de esqueletos, geralmente os pesquisadores usam outros fósseis encontrados na localidade, um método sujeito a muitas incorreções.
Uma abordagem mais precisa é datar as rochas onde as ossadas foram encontradas, estudando a matriz de concreto que abriga o fóssil, tecnologia utilizada por Granger. “Sterkfontein tem mais fósseis de Australopithecus do que em qualquer outro lugar do mundo”, diz o cientista. “Mas é difícil conseguir um bom encontro com eles. Os métodos tradicionais obtiveram uma série de datas diferentes. O que nossos dados fazem é resolver essas controvérsias e mostram que esses fósseis são antigos — muito mais antigos do que pensávamos originalmente.”
Correio Braziliense