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O custo médio do preso mensal no Rio Grande do Norte é três vezes maior que os custos para se manter um aluno no Ensino Médio da rede pública de ensino. Em 2022, um apenado no RN custou, em média, R$ 1.892,96 por mês aos cofres públicos, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Departamento Penitenciário Nacional (Senapen). A estatística não é uma realidade exclusiva do Rio Grande do Norte, sendo um fenômeno nacional do encarceramento em massa, segundo estudo feito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Especialistas em segurança pública e atores do sistema penal apontam que os custos com apenados precisam trazer melhores retornos para a sociedade, seja na redução da violência, seja na ressocialização dos presos.
Segundo dados do Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), um aluno do Ensino Médio na zona urbana no Rio Grande do Norte custou R$ 542 em 2022. No Ensino Fundamental, a discrepância é ainda maior: o gasto foi de de R$ 477,44 por aluno. As informações são da Tribuna do Norte.
Importante destacar que nas duas situações, tanto de presos quanto de alunos, os valores citados pela reportagem incluem a participação de recursos estaduais e federais, haja vista que são políticas públicas com co financiamento para os estados. Os valores se referem ao Valor Anual por Aluno Estimado (VAAF).
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coletados em 2022 apontam que um preso custa, em média, R$ 1,8 mil mensais aos cofres brasileiros. Já um aluno da educação básica, segundo informações do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), recebe um investimento mínimo médio anual de R$ 5,6 mil, cerca de R$ 470,00 por mês, valor quatro vezes menor. A pesquisa da USP foi publicada em maio de 2022. Os valores atualizados mostram que o custo mensal médio do preso em 2022 no Brasil foi de R$ 2.357,29. A TRIBUNA DO NORTE utilizou a mesma metodologia da USP ao fazer o comparativo com dados do Rio Grande do Norte.
“Existe uma relação de empenho e valores públicos que chama a atenção quando comparamos o que se investe na educação e sistema carcerário. Universalmente, as pesquisas desenvolvidas não só no Brasil, apontam para o caráter dessocializador do sistema prisional, ou seja: o indivíduo preso, em 90% das vezes, sai com maiores chances de se relacionar em sociedade para exercício do seu cotidiano, de suas atividades, uma dificuldade a mais em relação aquelas que ele já detinha antes de ingressar no sistema. Quando pensamos que investimos muito num sistema dessocializador e em comparação com o que investimos naquilo que evita a prisão, buscamos chamar a atenção daquele leitor sobre esse paradoxo, essa opção de política criminal que o Brasil tem feito há décadas”, disse o juiz e professor Cláudio do Prado Amaral, condutor da pesquisa na Universidade de São Paulo, em entrevista ao Jornal da USP.
Para o antropólogo da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Vanderlan Silva, autor de estudos e livros sobre prisões brasileiras, o valor gasto no sistema penal brasileiro como um todo é “mal investido”.
“Devemos pensar o sistema e os investimentos e avaliar essa eficácia, mas ao mesmo tempo, não dá para imaginarmos que esse sistema está desvinculado da realidade social: temos um sistema em que a imensa maioria dos presos permanecem na ociosidade. Isso faz com que a ideia de ressocialização e alternativas de vida sejam reduzidas a zero. Ao mesmo tempo, quando essas pessoas saem, não há acompanhamento que possam inseri-las no mercado de trabalho”, aponta.
O titular da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária do RN, Helton Edi Xavier, repercutiu o assunto com a TN. “Quando deixamos de investir em educação, uma política central dentro de qualquer país que quer civilização, todas as outras políticas são encarecidas. Por conta da falta de educação, não é só a política penal, mas todas são encarecidas. A educação é a base de tudo. É com ela que mitigamos os problemas de segurança pública, sistema penal, saúde. Eu desconheço esse estudo, mas o que enfatizo é a importância e centralidade que um sistema de educação eficaz causa nas outras políticas públicas”, disse.
Presos possuem custos 24h, dizem especialistas
Segundo balanço feito pela TRIBUNA DO NORTE junto à Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Departamento Penitenciário Nacional (Senapen), o Rio Grande do Norte teve em 2022 a quinta média entre os estados do Nordeste no tocante ao custo médio do preso. Os estados com índices mais altos são Bahia (R$ 3.682,30), Piauí (R$ 3.223,70) e Ceará (R$ 3.181,16).
Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Departamento Penitenciário Nacional (Senapen), a maior parte dos custos dos presos no Rio Grande do Norte diz respeito a alimentação: em 2022, foram R$ 43,3 milhões nos 12 meses.
Os dados variam mês a mês. Em janeiro do ano passado, por exemplo, as despesas com pessoal superaram a casa dos R$ 16,9 milhões no Rio Grande do Norte. A alimentação custou R$ 2,6 milhões.
Nos dois casos, tanto de detentos como de alunos, os custos incluem itens como alimentação, água, energia elétrica e limpeza, além de salários de professores e manutenção de infraestrutura. Uma das diferenças, por exemplo, é que presídios demandam tecnologia e estrutura para equipamentos de detecção de metais, bloqueio de celulares, videomonitoramento total e construções reforçadas específicas. Os detentos também vivem 24 nesses espaços, o que demanda insumos para mantê-los nesse período.
O professor do IFRN Francisco Augusto Cruz, especialista em segurança pública e em sistema prisional, discorda da possibilidade de comparação entre os dados e avalia que a comparação entre o custo dos presos e alunos é “equivocada” dados os custos diferenciados do sistema penal. “É muito equivocado comparar a oferta de vagas no sistema prisional com a oferta de vagas no sistema educacional. Não podemos comparar a oferta de vagas escolares com as vagas de leitos de hospitais, correto? Da mesma forma, não podemos comparar com o custo do preso com alunos no sistema educacional. A educação é um direito básico para o exercício da cidadania. Mas precisamos perceber que um aluno não recebe atendimento médico, assistência material, assistência jurídica como uma pessoa privada de liberdade”, aponta, acrescentando que no sistema prisional “o apenado está integralmente sob tutela do Estado e por isso, este custo é a primeira visão elevado”.
De acordo com a presidente do Sindicato dos Policiais Penais do RN (Sindppen/RN), Vilma Batista, é importante que haja políticas públicas para tornar esse custo por preso rentável. Ela aponta que uma das perspectivas é o Fundo Rotativo, projeto sancionado de ressocialização de presos em que os detentos vão gerar recursos ao próprio Estado. Produtos feitos pelos presos dentro das unidades prisionais poderão ser comercializados, com os recursos sendo geridos pelo diretor da unidade prisional como gestor.
“É um valor que ainda é caro diante do retorno que o Estado não tem. Hoje estamos nessa segunda fase que é estruturar e qualificar esses presos, iniciando projetos de assistência ao egresso. Aprovamos o Fundo Rotativo, faz com que o Estado faça convênios com empresas, órgãos e entidades para que esse trabalho do preso uma parte seja destinada ao Fundo, onde servirá para novos convênios, reformas, investimentos, qualificações.
Esse dinheiro pode desafogar a fonte 100 do Estado. O preso trabalha e contribui para com o Estado. Vejo uma boa perspectiva se continuarmos com o controle do sistema”, aponta Vilma Batista.
“Se compararmos ao custo do criminoso solto, ou seja, os custos do crime, na verdade esse valor é até baixo. E não me refiro apenas aos custos de manter todo o aparato policial e judicial para controle da criminalidade, mas também os custos distribuídos para cada empresa e cidadão, além das perdas sofridas pela economia causadas pela ação dos criminosos. Só para exemplificar veja o que acontece no RN nos últimos dez dias”, comenta o juiz titular da Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar.
O juiz cita ainda as dificuldades em se tornar o sistema penal como um todo “rentável”. “A instalação de pequenas unidades fabris nos presídios para aproveitar o trabalho dos presos, sendo uma parte do pagamento revertido para o estado parece ter dado certo em alguns lugares. De toda forma penso difícil ser rentável; o que pode ocorrer é se baratear os custos”, acrescenta.
Relatório aponta tortura e comida estragada em presídios
Um relatório produzido pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, apontou maus tratos, tortura física e psicológica, alimentação estragada e violação de direitos de pessoas privadas de liberdade em presídios do Rio Grande do Norte.
O relatório foi fruto de uma visita entre os dias 21 e 25 de novembro de 2022, em cinco unidades de privação de liberdade no Rio Grande do Norte: a Cadeia Pública Dinorá Simas Lima Deodato, no município de Ceará Mirim; a Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes (Alcaçuz), no município de Nísia Floresta; a Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento (UPCT) e o Hospital Psiquiátrico Professor Severino Lopes (HPPSL), no município de Natal e a Comunidade Terapêutica CERENA, no município de Nísia Floresta.
“Destaca-se a alimentação precária e imprópria para consumo; a total falta de assistência no âmbito da saúde, levando a quadros graves de saúde e surtos de doenças tratáveis, como tuberculose; existência de banho de sol a cada 15 dias com duração de no máximo 30 minutos; baixíssimo acesso à educação e ao trabalho; ausência de fornecimento pelo Estado de kits de higiene e limpeza; superlotação; falta de assistência jurídica; funcionamento sistemático das unidades prisionais a partir do protocolo do “procedimento”; ampliação da UPCT, contrariando a Lei da Reforma Psiquiátrica no país e também a Lei Estadual nº. 6758/1995; a falta de processos de desinstitucionalização e a frágil Rede de Atenção Psicossocial (RAP’s)”, aponta o relatório.
A presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Rio Grande do Norte (Sindppen/RN), Vilma Batista, negou irregularidades como tortura e comida estragada e fez críticas aos órgãos de direitos humanos.
“O discurso desses mecanismos é o mesmo. A maioria das versões que estão ali são produzidas e orquestradas pelo crime organizado. Em 2020, fizeram outro relatório e confundiam bala de borracha com tampa de rolom. Temos uma queixa com relação a isso porque só ouvem um lado, não ouvem os policiais. Presos não comem a comida, deixam ela lá e estraga. Por quê não foi olhar no caminhão? Todos dias recebemos, tiramos fotos, pesamos. Se precisa melhorar o cardápio, converse com o Estado, e não atribuir toda a situação criada por eles aos policiais penais. Lamentamos a postura desses mecanismos. O discurso é sempre o mesmo”, disse Vilma Batista.
No fim do mês passado, o Sindppen divulgou um levantamento apontando que o Presídio Estadual de Alcaçuz e a Cadeia Pública Dinorá Simas, em Ceará-Mirim, recebeu mais de 16 mil atendimentos de saúde prisional em 2022. “Dessa forma, o Sindppen-RN contesta e rebate qualquer acusação infundada contra os policiais penais e reafirma o compromisso da categoria de manter a ordem, a disciplina e oferecer aos apenados aquilo que estabelece a Lei de Execução Penal, seguindo firmemente o que manda a legislação também para assegurar a proteção da sociedade potiguar”.
“O relatório traz algumas evidências de que algumas violências aconteceram e cabe à Seap apurarmos e ver o que é consistente e tomarmos as devidas providências para corrigir possíveis desvios”, disse o titular da Seap, Helton Edi Xavier.
Custo médio MENSAL do preso por Nordeste em 2022
BA: R$ 3.682,30
PI: R$ 3.223,70
CE: R$ 3.181,16
MA: R$ 2.707,36
RN: R$ 1.892,96
PB: R$ 1.815,28
AL: R$ 1.592,83
*Os dados dos estados de Pernambuco e Sergipe estavam incompletos, o que impossibilitou o cálculo médio do custo do preso
Fonte: SisDepen
Custo por aluno no RN em 2022
Ensino Médio:
Urbano: R$ 6.510,58
Rural: R$ 6.771,00
Tempo Integral: R$ 6.771,00
Integral/Educação Profissional: R$ 6.771,00
Ensino Fundamental
Séries iniciais Urbana: 5.208,46
Séries iniciais Rural: R$ 5.989,73
Séries finais Urbana: R$ 5.729,31
Séries finais Rural: R$ 6.250,15
Tempo Integral: R$ 6.771,00
Fonte: Fundeb
Créditos: Tribuna do Norte/Ícaro Carvalho.