Foto: Sergio Lima/AFP
A crítica do escritor Paulo Coelho foi a mais ruidosa até aqui, mas outros eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também vêm expressando insatisfação com o governo, em um movimento negativo que o Planalto e militantes tentam combater com pedidos de paciência.
Ao chamar o novo mandato de patético, Coelho deu vazão a queixas de parcelas dos que votaram no petista, inclusive os que só queriam derrotar Jair Bolsonaro (PL). É o caso de apoiadores ocasionais como o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o ex-presidenciável do Novo João Amoêdo.
Aliados como o ex-governador Roberto Requião (PT-PR) e o senador Cid Gomes (PDT-CE) também foram a público atacar aspectos como a fragilidade do programa de governo e a guerra de Lula contra o Banco Central por causa da taxa de juros.
“Não devia ter me empenhado na campanha”, disse Coelho no desabafo que fez em uma rede social no fim de março. Ele afirmou que seu voto não valeu a pena e demonstrou arrependimento pelas décadas de apoio ao petista, que lhe custaram até o afastamento de leitores, conforme relatou.
O autor do livro “O Alquimista” se mostrou especialmente irritado com o bate-boca de Lula com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), iniciado após o petista lançar a ilação de que a descoberta de um plano de atentado contra o ex-juiz da Operação Lava Jato seria “mais uma armação” de seu algoz.
“Estou achando o governo muito ruim”, afirma à Folha Amoêdo, que surpreendeu muita gente ao votar no petista contra “um mal maior”, Bolsonaro. O ex-banqueiro vê o presidente “preso a erros do passado, com uma equipe descoordenada e sem gestos para colocar o Brasil no rumo do crescimento”.
Amoêdo tem se pronunciado também contra a regra fiscal e a permanência de ministros como Juscelino Filho (Comunicações), exposto em uma série de denúncias. Apesar disso, diz não se arrepender do voto. “Estou seguro porque, sabendo de tudo o que veio à tona, vejo que Bolsonaro precisava mesmo sair. Como discordo muito do PT, nunca tive grandes expectativas, mas nutria algumas esperanças.”
Segundo pesquisa Datafolha, o governo é considerado ótimo ou bom por 38% dos brasileiros, regular por 30% e ruim ou péssimo por 29% (margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos).
Entre os que declaram ter votado em Lula, os percentuais são de, respectivamente, 71%, 24% e 3%.
Lula fez até aqui pelo país menos do que o esperado na visão de 1 em cada 4 pessoas que afirmam ter votado nele (25%). Ele fez o que era previsto na opinião de 37% e superou a expectativa para 34%.
O resultado do Datafolha foi encarado com otimismo por integrantes e aliados do governo, que lembram o fato de o país ter saído dividido da eleição. O petista venceu com a margem de votos mais apertada desde a redemocratização, apenas 1,8 ponto percentual à frente do adversário.
A estratégia governista de culpar os estragos herdados da gestão Bolsonaro pela demora em apresentar resultados em várias áreas, principalmente na economia, é replicada por defensores de Lula.
O ex-senador Aloysio Nunes Ferreira, um dos primeiros integrantes de peso do PSDB a embarcarem na candidatura do petista, faz reparos pontuais —a insinuação sobre Moro foi “um mau passo, embora não comprometa o governo como um todo”—, mas diz confiar no sucesso da gestão.
“O Lula vai fazer um bom governo, apesar de ter enfrentado uma transição tumultuada. Mesmo com o golpismo do 8 de janeiro, o descaso com os yanomamis e os estragos das chuvas, para citar alguns exemplos, ele está se saindo muito bem. Está arrumando a casa”, afirma Aloysio à Folha.
O tucano aprovou o arcabouço fiscal e considerou o ministro Fernando Haddad (Fazenda) habilidoso na articulação política do substituto do teto de gastos.
Aloysio, que foi ministro das Relações Exteriores de Michel Temer (MDB), também concordou com a decisão do Brasil de não assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, que embutia críticas à Rússia pela invasão da Ucrânia. “Foi uma posição correta. O fórum para tratar desse tema é a ONU”, diz.
“O eleitor é sempre impaciente, quer o resultado. Ao governo cabe agir com calma e tomar atitudes com solidez”, opina o ex-chanceler.
O problema é que “o sentimento benévolo em relação ao governo, aquela torcida sincera para que dê certo, está arrefecendo”, afirma o sociólogo e investidor Zeca Martins, integrante do Derrubando Muros. O grupo formado por empresários e profissionais de diferentes áreas buscou uma terceira via em 2022, mas por fim acabou se aproximando de Lula, que foi a opção de grande parte dos membros.
“Sou parte da ala que votou nele pela primeira vez para afastar o risco Bolsonaro. O rigor com o atual governo, mesmo daqueles lulistas convictos, está baixo. Noto ainda uma complacência em função da tortura que foi conviver com um governo fascista, mas essa fase está se esgotando.”
Martins diz que as críticas de Coelho e Tasso encontram eco no grupo, que se ressente do esvaziamento da ideia de frente ampla e da ausência de programa. “Além do básico, que é garantir três refeições por dia para todos, não sabemos qual é o projeto de longo prazo para o Brasil”, afirma.
A empresária e ativista Rosângela Lyra, que começou a angariar apoios de antipetistas a Lula meses antes das eleições, discorda. Com trânsito na elite paulistana, ela diz ver eleitores do presidente maduros para entenderem que o governo mal começou e ainda “enfrenta ecos ruins do passado recente”.
“Paulo Coelho foi, no mínimo, infeliz”, diz Rosângela, que preside o Política Viva, um grupo de discussões sobre os rumos do país com tendência progressista. Para ela, nem deu tempo de se frustrar, e uma avaliação mais justa só pode ser feita após seis meses.
“Estão cobrando desse governo coisas que nunca cobraram de outros. Só de termos um governo com visão humanista e que está recuperando programas sociais importantes, já é muito”, afirma.
Lula tem feito apelos parecidos aos eleitores mais ávidos. “Vamos dar um tempo aí, porque também as coisas não podem acontecer do dia para a noite”, discursou em evento no último dia 16, após uma criança na plateia questioná-lo sobre a queda no preço da picanha prometida durante a campanha.
O tom já tinha sido usado na mensagem do presidente ao completar o primeiro mês de mandato. “A nossa vida vai melhorar. É só esperar um pouco, que vocês vão ver as coisas começarem a acontecer no nosso querido Brasil”, disse, pedindo “um pouco de paciência”.
Procurada, a Secom (Secretaria de Comunicação) evitou comentar críticas específicas e reforçou, em nota, que a atual gestão está completando 100 dias de um mandato total de quatro anos.
“Ouvimos, respeitamos, dialogamos e não ofendemos discordâncias pontuais, eventuais ou mais gerais, porque defendemos a democracia, a livre expressão e o debate público respeitoso, com liberdade e troca de ideias”, disse.
O QUE DISSERAM OS DESCONTENTES COM O GOVERNO
“Décadas apoiando Lula, noto que seu novo mandato está patético. Cair na trampa de ex-juiz desqualificado, incapacidade de resolver problema do BC, etc. Não devia ter me empenhado na campanha. Perdi leitores (faz parte) mas não estou vendo meu voto ter valido a pena”
Paulo Coelho, escritor, no Twitter, em 26.mar
“Estou muito surpreso. Eu não esperava que o Lula e sua equipe viessem nessa linha radical de política econômica. Não é radical só pelo fato de ser de esquerda, que tem propostas boas, mas pelas ideias ultrapassadas, vencidas e que já foram testadas. É radical também pelo tom da agressividade. Esse embate com o Banco Central é inteiramente desnecessário”
Tasso Jereissati (PSDB-CE), ex-senador, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 6.mar
“Estou achando o governo muito ruim. Lula está preso a erros do passado, com uma equipe descoordenada e sem gestos para colocar o Brasil no rumo do crescimento. Propõe uma regra fiscal que não ataca o problema das despesas, prega retrocessos em temas como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras, perde tempo com temas menores e continua com postura de candidato, não de estadista. Ele está queimando o voto de paciência que se deve dar a quem acabou de assumir”
João Amoêdo, ex-presidenciável do Novo, em entrevista à Folha, na terça-feira (4)
“Eu não fui nem convidado para participar do grupo de transição. Fui ignorado. A minha experiência poderia ter servido pelo menos para levantar aquele debate. Não fui nem convidado para a posse, tive que ir em Brasília e garimpar um convite com influencers. Esqueceram que o Roberto Requião existia. […] E eu faria isso tudo de novo, fiz ideologicamente. Só não posso dizer que estou contente com o que está acontecendo. Acho que estamos cometendo um erro, nós devíamos ter um programa mínimo de governo”
Roberto Requião (PT-PR), ex-governador, em entrevista ao portal UOL, em 16.mar
“Uma preocupação que eu tenho é esse conformismo com o status quo, o centrão, a Câmara. O [Arthur] Lira é só mais um e vai ser mudado. […] O Brasil não vai mudar só porque tirou o Bolsonaro e botou o Lula. É o centrão, é o mesmo povo, com a conivência e o entusiasmo do [ministro das Relações Institucionais] Alexandre Padilha, que é o articulador político do governo”
Cid Gomes (PDT-CE), senador, em entrevista ao jornal O Globo, em 23.mar
O QUE DISSERAM OS DEFENSORES DO GOVERNO
“Calma, Paulo. Assim como você e eu, Lula é humano, tem suas feridas. E nem sempre se pode se safar das armadilhas e disparos de uma classe dominante predatória, egoísta e invejosa. Tenha mais paciência, querido. O mandato está no início”
Jean Wyllys, ex-deputado federal pelo PSOL-RJ, em resposta a Paulo Coelho, no Twitter, em 26.mar
“Outro que entrou na falácia da mídia. Menos, Paulo. Se não fosse o Lula, você estaria sob domínio de Bolsonaro. O governo nem começou…”
José de Abreu, ator, em resposta a Paulo Coelho, no Twitter, em 26.mar
“Paulo, não são nem 90 dias. BC é uma situação ingrata. Erros serão cometidos, devemos criticar e apontar, como também tenho feito, mas não dá pra se arrepender de ter ajudado a derrotar aquele monstro. Lula ainda vai errar muito, mas não se esqueça que o outro era Bolsonaro”
Felipe Neto, influenciador digital, em resposta a Paulo Coelho, no Twitter, em 26.mar
“O Lula vai fazer um bom governo, apesar de ter enfrentado uma transição tumultuada. Mesmo com o golpismo do 8 de janeiro, o descaso com os yanomamis e os estragos das chuvas, para citar alguns exemplos, ele está se saindo muito bem. Está arrumando a casa. O eleitor é sempre impaciente, quer o resultado. Ao governo cabe agir com calma e tomar atitudes com solidez”
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores (governo Temer), em entrevista à Folha, na segunda-feira (3)
“Paulo Coelho foi, no mínimo, infeliz. Estão cobrando desse governo coisas que nunca cobraram de outros. Atribuo essa má vontade ao vício antipetista ou pró-lavajatista que está impregnado após todos esses anos de viés. Vejo pessoas comuns à minha volta repetindo falácias, sem embasamento. Só de termos um governo com visão humanista e que está recuperando programas sociais importantes, já é muito”
Rosângela Lyra, empresária e presidente do Instituto Política Viva, em entrevista à Folha, na segunda-feira (3)
Folhapress