Foto: Ricardo Stuckert
Lula iniciou afobado seu terceiro mandato. Logo na primeira semana do ano, ele mandou Rui Costa, da Casa Civil, decidir com os demais ministros quais ações deveriam ser priorizadas para serem apresentadas como conquistas dos primeiros 100 dias de governo. A celebração dessa data — uma invenção do presidente americano Franklin Delano Roosevelt que aportou no Brasil com Fernando Henrique Cardoso — se revelaria uma obsessão de Lula. Na semana passada, em outra reunião, o presidente cobrou mais empenho de cada um dos seus ministros para divulgar os seus feitos. Uma campanha com verbas públicas estampará a frase “O Brasil voltou”. A retórica ufanista, contudo, tem poucas chances de convencer os brasileiros que avaliam as ações do governo federal a partir do que sentem na própria vida, seja no preço da picanha ou no medo de perder o emprego.
Na próxima segunda, 10, quando uma enxurrada de mensagens oficiais surpreender os brasileiros, a empolgação governista deverá esbarrar no desânimo da população. Segundo um levantamento do Datafolha feito na semana passada, 51% dos brasileiros entendem que o presidente “fez pelo país menos do que se esperava” nestes três meses. Além disso, 51% acreditam que Lula não irá cumprir a maioria de suas promessas e 21% acham que ele não irá cumprir nenhuma delas. Para quem achou que iria começar causando uma boa impressão, os números desapontam.
Depois de ganhar com apenas 50,90% o segundo turno do ano passado, Lula não apenas falhou em persuadir os que não votaram nele, como perdeu a confiança de muitos que só optaram por seu nome para impedir uma vitória de Jair Bolsonaro. Em uma pesquisa feita pelo Instituto Paraná na cidade de Porto Alegre, só 39% da população disse aprovar o governo — um número bem abaixo dos 53% que votaram no candidato Lula em 2022. “Muitos dos que optaram por Lula só porque não queriam Bolsonaro não estão contentes hoje. O governo não conseguiu divulgar suas novas medidas para a população, cujo grande sonho era ver uma melhora da economia. Esse é um grande problema para o presidente Lula”, diz Murilo Hidalgo, diretor do Instituto Paraná Pesquisas. “As pessoas tinham uma expectativa muito grande de que o poder aquisitivo das famílias melhoraria no seu governo. É a tal história da picanha que, apesar de simbólica, também tem um fundo real.”
Na campanha de 2022, Lula prometeu que o trabalhador voltaria a se deliciar com um churrasco farto. “Nós vamos voltar a reunir a família no domingo e nós vamos fazer um churrasquinho. E nós vamos comer uma fatia de picanha com uma gordurinha passada na farinha e tomar uma p… de uma cerveja gelada. O povo entra em delírio, porque é isso o que o povo quer”, disse o então candidato em meados do ano passado. Justiça seja feita, o preço desse corte de carne caiu 2% desde o início do ano. Mas a redução não chega a ser um alívio, porque outros indicadores mostram uma piora da situação geral. O desemprego voltou a subir, após onze meses de queda. A inflação segue no mesmo patamar, mas ao custo de uma elevada taxa de juros, que impede uma aceleração econômica. A aguardada apresentação de um arcabouço fiscal, que por enquanto se limita a um conjunto de slides, traz inseguranças sobre um aumento de impostos e vai demandar mais negociação com o Congresso.
Sem entregar o principal, Lula se perde em ataques a diversos inimigos, reais e imaginários. Seu maior alvo foi o ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem ele chamou de genocida, irresponsável, desumano, fascista, miliciano e “coisa”. São ofensas que em nada melhoram a sua própria avaliação. “O governo continua no palanque. Nós estamos vivendo uma prorrogação do processo eleitoral. Mas o governo Bolsonaro já não existe mais”, diz o escritor Augusto de Franco, colunista de Crusoé. “Acontece que, na falta de projetos que causem o impacto que Lula e o PT gostariam, eles estão tentando manter vivo o embate com o bolsonarismo. Dá até a impressão que Bolsonaro é quem governa, e que o PT é a oposição.” Outros ataques foram proferidos contra o senador Sergio Moro, o ex-presidente Michel Temer, o diretor do Banco Central Roberto Campos Neto e o “mercado”.
A verborragia e a incompetência ainda podem afetar o desempenho no Congresso. Este ano, espera-se que os parlamentares votem uma reforma tributária e o arcabouço fiscal. Mas, como nada até agora foi enviado para votação, a força de Lula ainda não foi testada. Com isso, paira muita incerteza sobre o tamanho real da base de apoio do governo. O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), fala em 350 deputados aliados. Mas lideranças de siglas governistas estimam que o total não passa muito dos 200. Eles citam como exemplo o União Brasil. Apesar de a sigla ter sido incluída na conta dos petistas por ter três ministérios, muitos dos seus integrantes declaram-se independentes, ou mesmo de oposição. PSD e MDB, que também ganharam pastas, também não têm como garantir adesão total aos projetos petistas. Em março, essas duas siglas formaram um superbloco com Podemos e Republicanos, o que torna mais imprevisível a maneira como irão se posicionar no futuro. “Ao montar o gabinete, Lula fez um loteamento inconsequente dos ministérios com a cabeça de 20 anos atrás, mas isso não surtiu o efeito que queria. Ele não entendeu que o Parlamento tem outra formação e os deputados e senadores são mais independentes em relação aos partidos”, diz o vice-líder do PP, Evair de Melo.
Entre os poucos pontos positivos estará a retomada das ações ambientais e de proteção aos yanomamis, depois de quatro anos de descaso no governo Bolsonaro. No mais, o governo deve gastar tempo enaltecendo programas que já existiam, como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família e o Mais Médicos (leia artigo de Leonardo Barreto nesta edição da Crusoé). Ações que se revelaram deficitárias ou insustentáveis, como investimentos em refinarias e estaleiros navais, estão voltando à tona. Até um retorno à falecida Unasul, uma plataforma criada pelo venezuelano Hugo Chávez para projetar o seu poder na América Latina, está sendo cogitado. Tudo não passa de notícia velha. Mesmo assim, o tom da voz rouca de Lula deve ficar ainda fervoroso, com o anúncio de cifras em reais para diversas áreas. Serão mais promessas, para uma população que já não acredita nelas. O que os brasileiros querem é uma melhora no padrão de vida, o tal churrasco com picanha com uma gordurinha passada na farofa e a p… da cerveja gelada. Esse Brasil, ao contrário do discurso oficial, ainda não voltou. Cem dias já se foram.
CRUSOÉ