A recente atualização da bula do Mounjaro (tirzepatida) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária reacendeu o debate sobre o papel do cirurgião-dentista no manejo de distúrbios respiratórios do sono. Com a inclusão da apneia obstrutiva do sono associada à obesidade entre as indicações do medicamento, dentistas passaram a ter respaldo normativo para prescrevê-lo em situações muito específicas, desde que respeitados os limites da Odontologia, a legislação vigente e a atuação integrada com outros profissionais da saúde.
Qual é a relação entre Mounjaro (tirzepatida) e apneia obstrutiva do sono?
O Mounjaro é um medicamento à base de tirzepatida, substância que age em receptores envolvidos na regulação da glicose e do apetite. Em pessoas com obesidade, a redução de peso pode contribuir para diminuir a gravidade da apneia obstrutiva do sono, marcada por interrupções repetidas da respiração durante a noite.
Nesses quadros, o excesso de tecido adiposo na região cervical e ao redor da via aérea superior favorece o colapso das estruturas durante o sono. Ao reduzir o peso corporal, o tratamento com tirzepatida tende a impactar indiretamente a apneia, mas não substitui métodos consagrados, como dispositivos orais, aparelhos de avanço mandibular e, em muitos casos, a terapia com pressão positiva contínua (CPAP).
Dentista pode prescrever Mounjaro na Odontologia do Sono?
Com a nova indicação aprovada pela Anvisa, a apneia obstrutiva do sono em pessoas obesas passa a constar como condição para a qual o medicamento pode ser utilizado, desde que vinculada à atuação em Odontologia do Sono.
A Lei 5.081/66, que regulamenta o exercício da Odontologia no Brasil, prevê que cirurgiões-dentistas podem prescrever medicamentos necessários ao exercício profissional. A tirzepatida passa a se encaixar nessa previsão apenas quando associada à abordagem da apneia obstrutiva do sono, e não a objetivos estéticos ou finalidades alheias à saúde bucal e às repercussões orofaciais da doença.
Quais cuidados o cirurgião-dentista deve ter ao indicar tirzepatida?
O Conselho Federal de Odontologia reforça que a ampliação da autonomia vem acompanhada de responsabilidade clínica e ética. A prescrição de Mounjaro por dentistas exige avaliação criteriosa do quadro sistêmico, além da cavidade oral, considerando riscos cardiovasculares, metabólicos e possíveis contraindicações.
Para organizar a conduta de maneira segura, o dentista deve observar alguns pontos de atenção fundamentais na prática diária, especialmente em pacientes com obesidade, múltiplas comorbidades e uso de outros medicamentos.
- Acompanhamento multidisciplinar: participação de médicos do sono, endocrinologistas, cardiologistas, nutricionistas e fisioterapeutas respiratórios.
- Interações medicamentosas: checagem rigorosa de todos os fármacos em uso, com atenção a comorbidades metabólicas ou cardiovasculares.
- Efeitos adversos sistêmicos e bucais: monitoramento de náuseas, alterações de apetite, refluxo e impacto em higiene e microbiota bucal.
- Limites éticos e diagnósticos: reconhecimento de que a avaliação de apneia moderada ou grave requer, em geral, polissonografia em ambiente médico.
Como a decisão impacta a rotina da Odontologia do Sono?
Na prática clínica, o dentista que atua com Odontologia do Sono costuma lidar com pacientes que apresentam ronco, apneia leve a moderada e alterações estruturais em mandíbula, língua e palato. Esses profissionais já utilizam dispositivos orais, orientações de postura de sono e ajustes de hábitos comportamentais como parte do cuidado de rotina.
A possibilidade de prescrever Mounjaro adiciona uma ferramenta farmacológica em casos de obesidade associada à apneia obstrutiva do sono confirmada. A conduta deve seguir um fluxo estruturado de avaliação, confirmação diagnóstica, plano terapêutico combinado, monitoramento contínuo e registro sistemático de todas as etapas e resultados clínicos.
Quais são as perspectivas para o uso de Mounjaro na prática odontológica?
A tirzepatida, ao entrar no repertório terapêutico da Odontologia do Sono, amplia as possibilidades de manejo da apneia obstrutiva do sono em pessoas obesas, sem substituir as terapias padrão. A tendência é que esse uso permaneça concentrado em profissionais com formação específica e atuação alinhada às diretrizes da Medicina do Sono.
Com protocolos bem definidos, comunicação constante entre dentistas e médicos e atenção rigorosa às normas éticas e legais, a prescrição de Mounjaro tende a se consolidar como alternativa adicional para casos selecionados. A prioridade deve ser a segurança do paciente, o uso responsável da autonomia profissional e a adoção de condutas baseadas em evidências científicas atualizadas e em documentos oficiais.