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Autora do requerimento que pede a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar os ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro, a senadora Soraya Thronicke (União-MS) avalia ter sido vítima de um “golpe regimental” avalizado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e patrocinado pelo governo, numa estratégia para barrar a instalação do colegiado. Para a parlamentar, a articulação de Lula “passou do limite da lei e começou a adentrar na ilegalidade”. “Negar a assinatura de 44 senadores é praticamente um golpe, é a dissolução do Senado”, argumenta. Candidata a presidente nas últimas eleições, a senadora, que chegou a ocupar a vice-liderança de Jair Bolsonaro no Congresso, mas depois rompeu com ele, também rechaça a possibilidade de embarcar na base petista, tal qual fez seu partido, que hoje detém três ministérios do governo. “Sou oposição racional”, assegura. Mesmo opositora, Thronicke defende os interesses da legenda no governo: “Temos três ministros, mas não temos três ministérios”, critica.
O governo conseguiu esvaziar a CPI dos Atos Antidemocráticos. Qual o temor do presidente Lula com a instalação do colegiado?
Entendo a preocupação do presidente Lula em relação ao andamento de uma CPI em um Congresso Nacional que possui uma oposição bastante forte. Mas eu acho que a articulação dele para derrubar a comissão ultrapassou os limites da lei. Temos toda uma legislação para amparar o direito da minoria em requerer uma CPI e eu já tinha assinaturas da maioria do Senado. Portanto, acho que a articulação passou do limite e começou a adentrar na ilegalidade. Toda a legislação que embasa meu requerimento foi satisfeita e foi abraçada pelo presidente Rodrigo Pacheco.
O presidente do Senado atuou para favorecer o governo ao barrar a leitura do requerimento?
Nos dias 8 e 9 de janeiro, expressei ao presidente Rodrigo Pacheco minha insegurança regimental com a CPI. A assessoria dele estudou e o Rodrigo disse para mim o seguinte: ‘Não tem problema se eu não ler o requerimento. Apenas colha as assinaturas. Se eu ler agora, no recesso parlamentar, a CPI cai no dia 31 de janeiro’. Portanto, partiu do próprio presidente Rodrigo a ideia de dar andamento à CPI. Contudo, ele mesmo, para satisfazer uma vontade do governo, começou a interpretar o regimento de forma errônea.
Por que a senhora falou em “golpe regimental” do presidente do Senado para impedir que a CPI prosseguisse?
Todas as fundamentações que trouxeram eu rebati. É algo muito sério desconsiderar a assinatura de um senador. Não existe na legislação a ratificação da assinatura de um senador. Isso foi uma invenção, um contorcionismo regimental do presidente. Desconsiderar as assinaturas válidas de senadores é mais grave que a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro, porque essa se consumou. Negar a assinatura de um senador eleito e no exercício de um mandato é algo muito sério. Negar a assinatura de 44 senadores como fez o Rodrigo Pacheco, para mim, é praticamente um golpe, é a dissolução do Senado.
O próximo passo é judicializar a instalação da CPI?
Não vou deixar passar em branco. Já está judicializado e creio que o Supremo Tribunal Federal deva ter o mesmo entendimento que teve lá trás, quando determinou ao presidente Rodrigo Pacheco a instalação da CPI da Covid.
A senhora avalia que o ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser considerado o mentor dos atos de vandalismo e ataques aos Três Poderes registrados no dia 8 de janeiro?
É isso que a CPI vai apurar. É esse o nosso intento, diferente do que propõe a CPMI, que já nasce com respostas e não com perguntas, como deve ser. O requerimento que fiz e a forma como uma CPI deve ser colocada, é a partir de perguntas e não de respostas pré-estabelecidas. Ninguém está acima da lei e precisamos de respostas, que não estão sendo dadas.
Como a senhora avalia a articulação do presidente Lula para atrair as bancadas do União Brasil para o governo?
Acredito que houve um movimento positivo do presidente de trazer para seu governo, de fazer uma articulação e dar espaço para outros partidos. Vejo o União Brasil como um partido independente e entendo que foi uma liberalidade de Lula para aumentar seu apoio no Congresso. Eu sempre tive muita liberdade do presidente Luciano Bivar (do União Brasil) para votar contra a orientação do próprio partido, foi algo que sempre pude fazer.
O partido está satisfeito com o que espaço e o protagonismo oferecidos por Lula até o momento?
O União Brasil tem três ministros, mas não temos três ministérios. Engana-se quem acha que nós temos três ministérios. As pastas não nos foram entregues de porteira fechada e o governo está segurando muitas nomeações de segundo e terceiro escalões. Quando se fala que você vai compor o governo não é uma barganha, é te dar um espaço efetivo. Se você quer compor com o partido, é preciso começar um relacionamento.
A senhora chegou a ser cogitada como um dos nomes do União Brasil para integrar a Esplanada dos Ministérios. Aceitaria fazer parte do governo?
Não. Eu de fato fui um dos nomes cotados dentro do União Brasil para a Esplanada, mas sempre disse que não passava pela minha cabeça aceitar um ministério. Eu fui muito clara quando não tomei posição no segundo turno. Sempre preguei que seria uma oposição racional a Lula, do jeito que fui situação no governo Bolsonaro.
As primeiras polêmicas envolvendo ministros do governo ocorreram entre indicados do União Brasil ao Executivo, como os ministros Juscelino Filho e Daniela Carneiro, das Comunicações e do Turismo, respectivamente. Como a senhora enxerga o envolvimento dos colegas de bancada com denúncias?
Não participei de nenhuma tratativa das escolhas de ministros do partido e nem tinha nenhuma convivência com os indicados. O União Brasil tem bons nomes e confesso que só pude observar e aguardar os movimentos dos ministros. Não há nada concreto contra eles, são especulações e especulações ouvimos o tempo todo. Agora, não é porque é do meu partido que eu vou ficar ao lado e proteger.
O governo Lula tem como uma das prioridades para o Congresso Nacional a aprovação da Reforma Tributária e de um novo arcabouço fiscal. A articulação e o que foi defendido pelo governo sobre as pautas econômicas lhe agradam?
Eu ainda estou estudando com economista Marcos Cintra como a gente pode colaborar na proposta de Reforma Tributária com, pelo menos, uma parte do nosso projeto sobre a consolidação de um imposto único federal. Sinceramente, não gosto de nenhuma das propostas que tramitam no Congresso Nacional – PECs 45/2019 e 110/2019. Sobre a âncora fiscal, concordo com o ministro Renan Filho de que se a gente não tomar uma decisão em relação a investimentos vai ser difícil o País crescer. É preciso separar neste projeto da nova âncora fiscal o que é custeio do que é investimento. O gasto tem que estar dentro do teto, mas tem que haver a possibilidade, mesmo que seja percentual, de excepcionalizar investimentos para setores sensíveis.
Há boa vontade do Congresso Nacional em aprovar a Reforma Tributária e o novo arcabouço fiscal?
Eu acho que o Congresso terá boa vontade em aprovar as duas pautas, a Reforma Tributária e âncora fiscal. Agora, eu prefiro não entregar reforma nenhuma do que uma reforma ruim.
Na semana passada, Lula foi duramente criticado por ter atacado o senador Sergio Moro, em especial ao relembrar o período em que esteve preso no âmbito da Operação Lava Jato em Curitiba, em sentença dada pelo ex-juiz. A senhora concorda com a avaliação de Moro de que a fala de Lula incita violência política?
A violência política tem se acirrado muito e tem tomado contextos perigosos. Existe uma escalada violenta a ponto de chegarmos ao 8 de janeiro. A fala do presidente sobre Moro foi infeliz, porém, diante do contexto dele e do que aconteceu posteriormente ao julgamento da Lava Jato, acredito que ele estivesse pensado alto. É algo que eu não falaria. A gente tem que tomar cuidado sobre as coisas que falamos, pois tudo pode incentivar episódios de violência política. Lula, como presidente deve acalmar os ânimos. Essas falas incitam, encorajam. A liturgia do cargo demanda este comportamento mais moderado.
Créditos: ISTOÉ.