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O presidente Lula deverá editar um decreto nos próximos dias alterando pontos essenciais do Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020, considerado essencial para destravar investimentos no setor e levar água tratada e coleta de esgoto para regiões que nunca tiveram acesso a esse tipo de serviço.
Balanço divulgado em janeiro pela Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) mostra que, em dois anos, com o novo Marco Legal, foram realizados 21 leilões de concessões no setor, beneficiando cerca de 24 milhões de pessoas, em 244 municípios, das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, com investimentos estimados em R$ 82,6 bilhões.
As mudanças de Lula, propostas ainda em dezembro pela comissão de transição, devem alterar tanto o modelo de concessão dos serviços de saneamento à iniciativa privada como o papel da Agência Nacional de Águas (ANA) na regulação do setor.
Em editorial intitulado “Um marco civilizatório sob ameaça”, publicado nesta terça-feira, 14, o Estado de S. Paulo afirma que “há motivos de sobra para apreensão”. “Não é trivial o risco de retrocessos em uma área fundamental para dar dignidade a milhões de brasileiros que, em pleno século 21, ainda não têm acesso à água tratada nem à coleta de esgoto — além, é claro, de gerar uma insegurança jurídica que em nada ajudará o Brasil a atrair investimentos privados”.
Aliados têm feito críticas duras ao Marco do Saneamento, e o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), que encabeça a lista, é descrito no editorial do Estadão como “um dos grandes menestréis do atraso nessa seara, quase um lobista a serviço da insalubridade”. Em novembro, Boulos disse que “é muito prejudicial o processo de privatização do saneamento” e que “é muito prejudicial você ter uma agência reguladora, como a ANA, com superpoderes e sem controle da sociedade”.
Entretanto, lembrou o jornal, com raras exceções, o serviço de saneamento ainda é prestado no Brasil “quase que exclusivamente por estatais gigantescas e ineficientes”. Essas empresas públicas, em afronta ao previsto na Constituição, são contratadas sem licitação, e, apesar da falta de qualidade dos serviços, permaneceram contratadas, “porque seus contratos com Estados e municípios são renovados automaticamente, sem fixação de metas e menos ainda de indicadores de qualidade”.
Hoje, cerca de 35 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e mais de 100 milhões não têm coleta nem tratamento de esgoto. A meta do Marco do Saneamento, Lei Federal 14.026/2020, é que 99% da população tenha acesso à água tratada e 90% aos serviços de esgoto.
“O Marco Legal do Saneamento, como um salto civilizatório, veio mudar essa realidade primitiva, ao acabar com as renovações automáticas de contrato, obrigando as estatais a participarem de licitações, e ao garantir condições para que a iniciativa privada invista em um setor custoso e até então pouco atrativo, liberando o Estado para atuar nas áreas em que, de fato, sua presença — sobretudo seus investimentos — seja necessária”, afirmou o Estadão.
O temor é que a nova regulamentação de Lula aceite o lobby das estatais e todos os investimentos privados, possibilitados pelo Marco do Saneamento, sejam travados. “Tudo indica que, mais uma vez, o lobby das estatais tende a prevalecer, mostrando quão forte é a resistência dessas empresas a quaisquer tentativas de mexer em seus privilégios.” O jornal conclui o editorial afirmando que o governo Lula “parece mais preocupado com a proteção dos interesses corporativos dos servidores ligados às estatais de saneamento e com a manutenção da esfera de poder político sobre o controle dessas empresas” do que com os problemas que realmente importam para o país.
Revista Oeste