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O grupo de 5 economias emergentes busca até hoje uma razão para existir, mas há uma ambição comum: substituir a ordem econômica mundial vigente
Harry Dexter White foi um economista americano, responsável por tornar o dólar a moeda padrão no mundo, ajudando definir a segunda metade do século para a economia global, além de um provável espião soviético.
Dexter, o secretário do Tesouro Americano, representou o país na conferência de Bretton Woods, um evento que reuniu 730 representantes de 44 países, incluindo o Brasil, para debater os rumos da economia no pós-guerra. A informação é da Revista Crusoé.
Ao contrário do seu oponente mais famoso na ocasião, o economista inglês John Maynard Keynes, Harry conseguiu impor sua visão, e a dos Estados Unidos, sobre o que deveria ser o futuro da economia global.
Naquela data, instituições como o FMI, o Fundo Monetário Internacional, além do Banco Mundial, acabariam sendo criadas, garantindo a existência de um padrão dólar-ouro, que vigorou até 1971.
Ironicamente, a dominância americana se estabeleceu sob uma premissa hoje considerada absurda: os Estados Unidos eram na época o país com maior saldo comercial no planeta.
Se hoje os EUA se tornaram o país com o maior déficit, é em partes graças ao privilégio que Harry ajudou a estabelecer.
Como o ministro da economia francês Valéry Giscard D’Estaing resumiria mais tarde, os EUA se tornaram detentores de um “privilégio exorbitante”.
Em suma, ao contrário do Brasil, ou qualquer outro país no mundo, os EUA são imunes a crises no balanço de pagamento, uma vez que importam bens e serviços na própria moeda.
Essa prática, que significa em outras palavras que os americanos podem gastar 1 centavo para produzir uma nota de US$ 100 que pessoas como eu e você terão de trabalhar para conquistar, é a sustentação do atual déficit americano em balanço de pagamentos.
Há, claro, inúmeros desafiantes a essa ideia. O ano de 1971, por exemplo, representou o fim do padrão dólar-ouro justamente quando Giscard D’Estaing e Charles de Gaulle gritaram “truco” no jogo da economia global.
O fim do padrão dólar-ouro, entretanto, não representou o fim do privilégio exorbitante americano. Ao contrário, sem estarem presos ao ouro como lastro, os EUA puderam imprimir ainda mais dinheiro, continuando a adquirir bens e serviços com isso.
Nessa dinâmica de poder, porém, há quem acredite que o jogo possa virar em algum momento.
Em 2001, o economista Jim O’Neill, um aristocrata britânico e chefe de análises sobre commodities e mercados emergentes do Goldman Sachs, lançou um breve, porém incisivo, paper no qual descreve a existência de um grupo desafiante: o BRIC (a África do Sul não consta no paper original).
É um grupo de 4 economias emergentes, com pretensões globais.
Cabe ressaltar que na ocasião em que o paper foi escrito, a China ainda não havia entrado para a Organização Mundial do Comércio e seu impacto era significativamente menor.
Ao longo dos anos seguintes O’Neill descreveu outros grupos de países, como México, Indonésia, Turquia e Coreia do Sul, o MITS, além do “Next Eleven”, um grupo de economias com forte presença de países do sudeste asiático.
Nenhum destes grupo pegou, entretanto. Apenas o BRIC.
Em comum, estes países possuem um peso relevante na política de suas regiões, com ambições globais, em especial a China.
Ao contrário do México, Indonésia ou Turquia, são países com características que vão além do rápido crescimento econômico, o que significa dizer que, na teoria, poderiam desafiar a ordem estabelecida naquela conferência.
Na tentativa dos países de recriarem uma nova ordem, o script não chega a ser lá muito diferente.
Sai Bretton Woods em New Hampshire, entra Fortaleza no Ceará, onde o Novo Banco de Desenvolvimento, uma entidade que busca replicar o modelo do Banco Mundial, foi criado em 2014.
O Banco dos BRICS, porém, tem uma diferença fundamental. O único país membro a ter um superávit na balança de pagamentos é a China. A distribuição dos votos, porém, segue equânime. Cada país se comprometeu a alocar US$ 10 bilhões em capital para promover projetos de desenvolvimento local.
O mais irônico em toda história está no fato de que países tão culturalmente distintos tenham se associado por influência de um banco símbolo do sistema financeiro criado pelos Estados Unidos, o Goldman Sachs.
Todavia, é importante retroceder um pouco na história.
Em 2003, antes de os BRICS ganharem relevância, o Brasil se aliou a África do Sul e Índia para criação do IBAS, um grupo de 3 países com um traço fundamental em comum: 3 democracias pujantes com destaque em sua região.
Já em 2009, a China entrou para este grupo, formando o BASIC. O objetivo ali era criar um grupo político com atuação em meio à cúpula sobre mudanças climáticas de Copenhague.
Em suma, saiu a “democracia” para entrar o “meio ambiente”, com o Brasil topando se aliar ao país que mais polui no mundo para pressionar os países ricos em torno do tema.
No mesmo ano, uma conferência com Brasil, Rússia, Índia e China foi realizada em Ecaterimburgo, na Rússia, selando o nascimento do BRIC.
O BRIC adicionou o S (de South África), em 2010, representando uma guinada importante.
Com a adesão da África do Sul, a menor economia dos agora chamados BRICS, equivalente a um quarto da Rússia, ficou nítido que o grupo deixaria de ter foco em economia para se tornar um projeto político.
E um fato relevante na semana que antecedeu aquela cúpula aponta essa ambição: dias antes de embarcar para a Rússia, o então presidente Lula anunciou que o Brasil iria emprestar US$ 10 bilhões ao FMI. Era a primeira vez que o Brasil, tradicional credor do fundo, emprestava recursos. China e Rússia fizeram o mesmo, emprestando US$ 50 e US$10 bilhões respectivamente.
Nesse jogo político, o banco para cuja presidência Dilma Rousseff acaba de ser indicada é apenas um detalhe.
O mais relevante, claro, está no fato de sermos hoje parte de uma aliança com duas ditaduras, uma das quais está neste momento travando uma guerra na Europa.
Há uma nova ordem mundial pretendida e, ao que tudo indica, o Brasil escolheu mal seus parceiros.
Créditos: Crusoé/Felippe Hermes.