Foto: Ricardo Stuckert.
O início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva revela uma relação ainda estremecida do presidente com a comunidade evangélica. Segundo resultados de pesquisa Genial/Quaest obtidos com exclusividade pelo GLOBO, 30% dos que se declaram desse segmento avaliam o governo como negativo até aqui — praticamente o dobro da taxa registrada entre os católicos (16%). Também é duas vezes superior ao índice de reprovação do governo entre aqueles que dizem não seguir religião alguma (15%).
A resistência do grupo evangélico foi uma das grandes preocupações de Lula durante a campanha de 2022. Diante da preferência da comunidade pelo candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, o petista fez panfletos com mensagens direcionadas aos fiéis, participou de comício com pastores — ainda que inicialmente tenha sido refratário à ideia —, disse que não chegaria onde chegou “se não fosse a mão de Deus” e prometeu respeitar a liberdade religiosa.
Passada a eleição, os esforços para conquistar a simpatia desse eleitorado se tornaram escassos. Para interlocutores, a falta de acenos diretos, seja no sentido de abrir diálogo ou por ter se afastado terminantemente de lideranças do setor, travou iniciativas na área e a própria tomada de posição mais clara das igrejas.
Dias após o segundo turno, o bispo Edir Macedo, líder da Universal, disse que os evangélicos deveriam perdoar Lula. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, escreveu:
“Dispensamos o perdão de Edir Macedo. Ele é quem precisa pedir perdão a Deus pelas mentiras que propagou, a indução de milhões de pessoas a acreditarem em barbaridades sobre Lula e sobre o PT, usando a igreja e seus meios de comunicação para isso”.
Ainda antes de tomar posse como presidente, Lula barrou a recondução de Daniel de Macedo para o cargo de defensor público-geral federal. Macedo é da Igreja Presbiteriana e havia sido nomeado para o cargo por Bolsonaro com o apoio da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).
O plano mais contundente da nova gestão para acenar à comunidade evangélica esbarrou na resistência do PT. Em janeiro, o ministro da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo, recebeu o pastor Paulo Marcelo Schallenberger para tratar da criação de um braço do governo que dialogue com pastores de pequenas e médias igrejas. As tratativas, porém, foram paralisadas após líderes petistas rechaçarem a ideia — a própria Gleisi disse ser contra.
Internamente, integrantes do partido avaliam que o PT foi injustiçado pelo discurso de pastores que se alinharam a Bolsonaro, e que não cabe agora à Presidência buscar reaproximação. Outras alas mais ligadas ao público evangélico, por sua vez, defendem uma ação mais explícita do governo para esse público.
Relação no Congresso
Depois de ter sido um pilar para o governo Bolsonaro no Congresso, a Frente Parlamentar Evangélica enfrentou divergências internas que resultaram numa eleição inédita para o comando do grupo. O pleito depois foi anulado, e os deputados Eli Borges (PL-TO) e Silas Câmara (Republicanos-AM) chegaram a um acordo para se revezarem no cargo nos próximos dois anos.
O correligionário de Bolsonaro disse que a bancada evangélica não foi procurada para dialogar com o governo até o momento, e indicou que a gestão Lula 3 encontrará resistência no Congresso se desejar navegar por pautas que entram em choque com os conservadores, como o aborto.
— A Frente Evangélica não amenizará suas posições em relação às pautas que lhe são valiosas, as pautas do conservadorismo. Acredito que o governo vai nos procurar, mas qualquer tratativa deverá ser feita coletivamente. Não somos radicais, mas temos bandeira e estamos firmes — disse Eli Borges.
Na avaliação de interlocutores de Lula, o Planalto optou por negociar com os partidos em vez de buscar diálogo com os evangélicos como bancada temática. Um exemplo é o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), que foi contemplado com indicações no segundo escalão do Ministério das Comunicações.
Nesse sentido, outro aceno de Lula a parlamentares evangélicos, especialmente do Republicanos, foi o apoio do PT na indicação do deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) para a vaga no Tribunal de Contas da União (TCU).
Ações do governo, porém, afastaram ainda mais parte desse grupo. Uma delas é o uso da linguagem neutra para promover a inclusão de integrantes da comunidade LGBTQIAP+. Termos como “todes” e “eleites” apareceram em eventos e canais oficiais do Planalto desde 1º de janeiro. Foram criticados por religiosos.
Outra medida sensível aos evangélicos foi a revogação de atos da gestão Bolsonaro em relação ao aborto. O governo Lula retirou o Brasil da lista de signatários de um pacto internacional antiaborto e revogou portaria que obrigava profissionais da saúde a acionarem a polícia em casos de gravidez decorrente de estupro.
Créditos: O Globo.