A discussão sobre a possível adoção do modelo de clube-empresa no futebol brasileiro ganhou força nos últimos anos. A chamada SAF no Corinthians é um tema que divide opiniões entre torcedores, dirigentes e analistas. Um dos nomes mais respeitados na cobertura internacional do futebol, Marcelo Bechler, jornalista da TNT Sports e Rádio Itatiaia, atualmente baseado em Barcelona, ofereceu uma reflexão contundente sobre o assunto.
Segundo Bechler (@marcelobechler no Instagram), a Sociedade Anônima do Futebol não pode ser encarada como uma solução mágica para os problemas financeiros dos clubes. Para ele, o maior risco está em tratar o modelo como um “macete de videogame”, onde um investidor injeta dinheiro e todos os problemas desaparecem. O jornalista defende uma gestão mais democrática, com foco em sustentabilidade e responsabilidade.
SAF é solução para o Corinthians ou apenas um paliativo perigoso?
Marcelo Bechler é direto: transformar o Corinthians em SAF não deve ser encarado como um atalho para resolver problemas financeiros. Ele critica a ideia de que um “papai rico” irá assumir as dívidas e ainda investir em contratações, sem planejamento de longo prazo. Segundo o jornalista, esse caminho é insustentável e injusto com clubes que tentam se manter dentro das regras do fair play financeiro.
Bechler cita o caso do Atlético Mineiro como exemplo. Mesmo após a entrada de uma SAF com grande aporte financeiro, o clube teve de escolher entre pagar suas dívidas ou manter um time competitivo. Optou pelo elenco forte e conquistou títulos, mas suas dívidas continuaram a crescer. A lição, segundo ele, é clara: sem gestão equilibrada, a SAF pode virar apenas um paliativo.

O que é Sociedade Anônima do Futebol e como funciona esse modelo?
A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é um modelo jurídico que permite que clubes brasileiros se transformem em empresas. Criado pela Lei nº 14.193/2021, o modelo visa profissionalizar a gestão, atrair investimentos e dar mais transparência às contas dos clubes. A partir da transformação, o clube passa a ter um CNPJ próprio, conselho de administração e pode emitir ações no mercado.
Apesar dos benefícios aparentes, como organização e acesso a financiamentos, o sucesso da SAF depende de como ela é gerida. A legislação prevê que parte do faturamento da SAF seja direcionada ao pagamento de dívidas antigas, mas não impede que dirigentes e investidores adotem uma gestão temerária, ignorando esse compromisso. Por isso, especialistas alertam que não basta virar SAF; é preciso planejamento.
Por que a democracia interna é essencial para o futuro dos clubes?
Um dos pontos mais enfatizados por Bechler é a necessidade de democratização nos clubes. Ele critica duramente o modelo atual de conselhos deliberativos, geralmente formados por “um bando de velho com interesses próprios”, como ele mesmo define. Segundo o jornalista, é essencial que as decisões dos clubes estejam nas mãos de torcedores e sócios, não de grupos fechados.
Para ele, o modelo de SAF pode representar um avanço nesse sentido, ao romper com a estrutura viciada dos conselhos tradicionais. No entanto, alerta que isso só é válido se houver transparência e participação ativa dos torcedores na gestão. O risco, caso contrário, é apenas mudar o nome dos gestores e manter os mesmos vícios internos.

Quais os riscos da SAF sem planejamento financeiro?
O principal risco apontado por Bechler é a falsa sensação de estabilidade que a SAF pode trazer. Quando clubes passam a gastar mais do que arrecadam, contando com investimentos externos ilimitados, eles perdem o controle sobre suas finanças. Isso pode gerar uma bolha insustentável e resultar em novos ciclos de endividamento.
De acordo com a FIFA e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o conceito de fair play financeiro deve ser respeitado: gastar menos do que se arrecada. Essa prática garante equilíbrio nas disputas esportivas e evita que clubes quebrem por gestões irresponsáveis. Sem esse compromisso, nem SAF nem qualquer outro modelo terá futuro.
SAF é sinônimo de sucesso esportivo?
Apesar de alguns exemplos positivos, como o Botafogo e o Cruzeiro, a SAF não garante sucesso esportivo. Tudo depende do projeto, dos gestores e do compromisso com a sustentabilidade. Injetar dinheiro sem planejamento pode gerar bons resultados no curto prazo, mas não resolve os problemas estruturais que causaram a crise.
O jornalista alerta que o futebol não é videogame e que não existem “macetes” para o sucesso. Montar um elenco caro sem pensar na folha salarial, nos impostos e nos compromissos financeiros é uma receita para novos fracassos. O que realmente sustenta um clube é gestão profissional, planejamento a longo prazo e respeito às regras do jogo.
Como garantir um futuro saudável para clubes como o Corinthians?
Segundo Bechler, o caminho passa por disciplina financeira, transparência e envolvimento direto da torcida na gestão. Um clube saudável é aquele que consegue pagar seus salários em dia, cumprir contratos e manter um elenco competitivo dentro das suas possibilidades. Isso não depende de ser ou não uma SAF, mas sim de boas práticas administrativas.
Gastar 100 só é possível se você arrecada 100. Esse princípio, tão básico quanto ignorado, é o que garante que clubes não virem reféns de investidores ou de ciclos de dívida eterna. O Corinthians, um dos maiores clubes do país, precisa refletir profundamente sobre seu futuro antes de adotar um modelo que não garante, por si só, a solução para seus problemas.
E se o futebol fosse mais justo para todos os clubes?
A reflexão final de Marcelo Bechler aponta para um ponto fundamental: o futebol precisa ser justo. O fair play financeiro não é apenas uma regra, mas um compromisso com a integridade da competição. Permitir que clubes gastem mais do que arrecadam, apenas porque viraram SAF, é abrir mão da equidade no esporte.
O modelo SAF pode, sim, ser uma ferramenta de reestruturação. Mas só funcionará se vier acompanhada de responsabilidade, planejamento e um olhar voltado para o futuro. Torcedores e dirigentes precisam compreender que não existem fórmulas mágicas. O que existe é trabalho duro, transparência e compromisso com a história do clube.