A origem da palavra salário é uma das curiosidades históricas mais difundidas, mas provavelmente você aprendeu errado. Pedro Loos, YouTuber e divulgador científico com mais de 2 milhões de seguidores, conhecido pelo canal “Ciência Todo Dia”, revela que embora a palavra venha realmente do latim “salarium”, a história popular de que soldados romanos eram pagos mensalmente em sal é provavelmente um mito.
Pedro Loos, que é formado em Engenharia Elétrica pela UFSC e host do podcast Sinapse, dedica-se há anos à divulgação científica e curiosidades históricas através de conteúdo educativo. Como CEO da @use.loos e diretor do “Ciência Todo Dia”, ele tem se especializado em desmistificar informações históricas mal interpretadas, sempre baseando suas explicações em fontes históricas confiáveis e evidências arqueológicas.
De onde realmente vem a palavra salário no latim?
É verdade que salário vem do latim “salarium”, e essa etimologia está diretamente relacionada ao sal. Entre os antigos romanos, o sal fazia parte dos provimentos devidos a um soldado, além de vinho, óleo, grãos. O sal era tão importante para o dia a dia que acabou designando toda e qualquer remuneração. No entanto, a interpretação de que os soldados eram pagos diretamente em sal como salário mensal é onde mora o equívoco.
Do latim salarium, que significa “pagamento com sal”. A palavra salário tem como origem o termo salarium argentum, que consistia na utilização do sal para o pagamento de serviços prestados, na Roma Antiga. Durante os primeiros momentos do Império romano os patrícios faziam questão de que a cada homem tinha direito a possuir uma porção do “sal comum” (o conceito de sal comum provém dessa época).
Por que o sal era tão valioso na Roma Antiga?

O sal, que hoje é uma coisa tão comum nas nossas vidas, já foi muito valioso e caro. O sal ajudava a preservar comida, principalmente carnes, em uma época em que geladeiras não existiam. E ele também podia ser usado para cicatrizar feridas. Esta constatação foi absolutamente disruptiva para a época permitindo que se pudesse armazenar alimentos, fazendo frente a tempos mais difíceis.
O sal foi, durante muito tempo, uma moeda e mercadoria de difícil obtenção, principalmente no interior do continente europeu. Uma das suas principais utilizações era na conservação de alimentos. Por exemplo, o sal como uma iguaria era tão raro que podia ser facilmente trocado por vestimentas, armas, alimentos e etc. O sal era utilizado como meio de pagamento no Império Romano, sendo considerado tão precioso quanto ouro em algumas regiões.
O que Plínio, o Velho, realmente disse sobre sal e soldados?
Segundo Pedro Loos, de acordo com o historiador Plínio, o Velho, sal era uma honraria que os soldados podiam receber depois de batalhas bem-sucedidas. Mais como um bônus do que como um pagamento no sentido que nós estamos acostumados. Esse era o salário original – não um pagamento mensal regular, mas uma recompensa especial por feitos militares.
Plínio, o Velho (23-79 d.C.) foi um naturalista, historiador e oficial romano que escreveu a famosa “História Natural” em 37 volumes. Como militar experiente que serviu na Germânia e ocupou diversos cargos administrativos no Império, Plínio tinha conhecimento direto sobre o funcionamento do exército romano e seus sistemas de pagamento, tornando sua fonte particularmente confiável.
Como os soldados romanos eram realmente pagos?
Na verdade, quando Roma organizou uma força militar permanente, a partir do século III a.C., os soldados passaram a receber seu pagamento em moedas, chamadas de stipendium. Esse termo deu origem a “estipêndio”, que ainda hoje significa remuneração. Até porque mais tarde na história o dinheiro virou algo comum. E aí as pessoas eram pagas em moedas mesmo.
Legionários se inscreviam para pelo menos 25 anos de serviço. Se sobrevivessem ao tempo, eram recompensados com uma quantia de 3.000 denários e/ou um pedaço de terra fértil ao fim de seus serviços. Estima-se que, por volta do fim da república e do início do principado, um denário equivalia ao salário diário de um trabalhador. Outra palavra associada ao pagamento dos militares é solidus, nome de uma moeda de ouro usada no Império Romano e que originou os termos “soldado” e “saldo”.
Por que o mito do pagamento em sal se espalhou tanto?
A ideia de que os soldados romanos eram pagos com sal vem de um relato de Plínio, o Velho, historiador romano do século I d.C. No entanto, os registros históricos indicam que a relação entre o sal e os rendimentos romanos era mais indireta do que se imaginava. A teoria, apesar de popular, não tem comprovação histórica sólida quando se refere ao pagamento regular mensal.
O sal era realmente importante na economia romana. Roma estava situada na intersecção das principais estradas do interior italiano, e por haver importantes salinas nas proximidades da cidade, Roma conseguiu transformar-se em ponto de mercado perfeito da “via do sal”, futuramente conhecida como via Salária. Mas a palavra salário continuou sendo usada mesmo quando o pagamento em moedas se tornou padrão.
Quando surgiu o conceito moderno de salário?
Apesar da mudança na forma de pagamento, o termo salarium permaneceu no vocabulário latino e, com o tempo, passou a significar qualquer tipo de remuneração pelo trabalho prestado. O salário surgiu só na metade do século 14. Essa época ficou marcada pelo declínio do feudalismo e pelo desenvolvimento de fortes nações-estado.
Com o advento do capitalismo, o salário tornou-se a forma predominante de pagamento da mão de obra. O trabalhador passa a ter poder de compra e muda-se o status quo, ou seja, o modo como é visto pelas outras camadas sociais. Por fim, é após a Revolução Industrial no século XVIII e ampliação do capitalismo que o conceito de salário toma a forma tal qual conhecemos hoje.
Que outras palavras têm origem em sistemas de pagamento antigos?
A origem etimológica de termos relacionados ao dinheiro revela muito sobre a história econômica. “Libra” vem da medida de peso usada para medir a quantidade de metal utilizada nos pagamentos. A atual moeda indiana “rúpia” vem do termo em sânscrito “rupa”, que significa “gado”. Resquícios dessa época permanecem no termo atual “dinheiro”, que se refere à unidade monetária da Roma antiga, o “denário”.
Outras palavras também refletem sistemas de troca antigos: na antiga Mesopotâmia, eram usados grãos de cevada como meio de troca de mercadorias por volta do ano 3000 a.C. No sul da Mesopotâmia, na região conhecida como Suméria, eram utilizadas como moeda anéis fabricados a partir de conchas. Isso mostra como vocabulário econômico preserva memórias de sistemas monetários primitivos.
Por que é importante corrigir mitos históricos como este?
Pedro Loos ressalta que embora a história do sal como pagamento seja interessante e parcialmente verdadeira, é importante distinguir entre o sal como honraria militar específica e o sal como sistema regular de pagamento mensal. A precisão histórica é fundamental para compreender como realmente funcionavam as sociedades antigas e evitar a perpetuação de informações incorretas.
A divulgação de informação histórica precisa é crucial porque molda nossa compreensão do passado e influencia como interpretamos o presente. Quando mitos se espalham, podem distorcer nossa percepção sobre como as civilizações antigas realmente operavam. O trabalho de divulgadores como Pedro Loos ajuda a esclarecer esses equívocos, promovendo um conhecimento histórico mais fundamentado e confiável.