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Como anunciado desde a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tem medido esforços para tornar mais rígida a política de controle de armas no país. Desde o primeiro dia, o governo tem publicado medidas que impactam diretamente a categoria dos Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs).
Além disso, as novas regras atingem em cheio donos de clubes de tiro e de lojas de armas. Com isso, empresários de setores alcançados pelo decreto editado por Lula no primeiro dia de governo têm recorrido a demissões e até mesmo ao fechamento de portas devido às restrições diversas – no dia seguinte à publicação do decreto, a Gazeta do Povo já havia antecipado os possíveis impactos econômicos da medida.
Entre as determinações, o decreto anula várias medidas editadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que flexibilizaram o acesso a armas e munições; suspende a concessão de novos certificados de registro para CACs; restringe a quantidade de armas e munições que podem ser registradas por pessoa; e suspende o registro de novos clubes e escolas de tiro. Além disso, proíbe o Exército de autorizar qualquer tipo de nova aquisição de armamento e ordena que sejam interrompidos os processos de aquisição que estavam em andamento.
Praticantes de tiro esportivo também foram alvo de restrições e relatam dificuldades para procederem com os treinamentos diante da redução expressiva no número de munições permitido para compra. Entidades representativas do esporte apontam que as novas determinações podem inviabilizar a prática da modalidade no Brasil.
Por fim, a portaria assinada no início do mês pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, na qual o governo determinou que armas de uso permitido e restrito sejam recadastradas no sistema da Polícia Federal (PF), em um prazo de 60 dias, vem sendo apontada como abusiva e ilegal por CACs e congressistas de oposição ao governo.
“Decreto da vingança”
Flávio Dino sinalizou recentemente quais serão os próximos passos do governo em relação aos CACs. Ao criar um grupo de trabalho, no dia 3 de fevereiro, para trazer nova regulamentação ao Estatuto do Desarmamento, principal política de controle de armas no Brasil, o ministro disse que o governo atuará por uma “regulação definitiva”.
“O nosso desejo é termos uma regulação definitiva, sem mexer na lei. Não é nosso objetivo mexer na lei, mas em nível infralegal, decretos, portaria, enfim, abrangendo, por exemplo, essa temática sobre armas de uso permitido, armas de uso restrito, quantitativos, porque isso impacta muito fortemente na segurança pública e no combate às organizações criminosas”, disse.
Mas, segundo fontes ouvidas pela reportagem, os primeiros passos do governo Lula em relação ao desarmamento estão relacionados muito mais a uma retaliação política contra grupos que majoritariamente apoiaram a reeleição de Bolsonaro no ano passado do que a medidas relacionadas propriamente à segurança pública.
Para Marcelo Danfenback, presidente da Liga Nacional dos Atiradores Desportivos (Linade) e empresário do setor, a forma como o governo está tratando os CACs e os clubes de tiro é “revanchista”. “O decreto do dia 1º de janeiro foi publicado por pura perseguição a uma ala de eleitores do Bolsonaro, os CACs, que na sua grande maioria é de direita e conservadora. E isso parece que acarretou um certo revanchismo e uma certa raiva contra nós”, disse.
À Gazeta do Povo, o deputado federal Marcos Pollon (PL-MS), advogado especialista em legislação sobre armas, referiu-se às mudanças recentes e ao “revogaço” do governo Lula como “decreto da vingança”. Para ele, a portaria que obriga o recadastramento de armas coloca em risco “a segurança da população, dos CACs e do acervo, porque eles não terão direito ao porte de trânsito” ao deslocar armas de uso restrito às delegacias da Polícia Federal. Na prática, os armamentos deverão ser transportados sem munição e sem estarem disponíveis para uso, o que, segundo o parlamentar, gera riscos significativos aos proprietários.
“Esse decreto é extensão do palanque eleitoral sem nenhuma justificativa técnica, que visa exclusivamente perseguir segmentos como o tiro esportivo, que se destaca por seguir a lei, obedecer a lei e se comportar de forma pacífica e ordeira, em um esporte que existe há décadas no Brasil e que, inclusive, nos consagrou com a primeira medalha de ouro olímpica”, disse o parlamentar
Pollon destaca que os impactos das medidas do governo já estão gerando prejuízos econômicos ao levar à falência clubes de tiro e lojas de armamento. “Somente no mês de janeiro foram dezenas de empresas fechadas, quase uma centena, e mais de 150 mil pedidos de aviso prévio. São 150 mil famílias brasileiras que até o final de fevereiro podem estar passando fome”, disse. Os dados são da Associação Pró-Armas, principal entidade pró-armamentismo do país.
Os decretos e portarias do governo também estão sendo apontados como “inconstitucionais” por alterarem pontos da Lei do Estatuto do Desarmamento, como o que determina o registro das armas de uso restrito no Comando do Exército e não na Polícia Federal. Segundo Danfenback, o decreto traz uma série de inconstitucionalidades, além de “atos incongruentes” com a legislação atual. “Não houve mudança na legislação para justificar o decreto, que não tem o poder de mudar uma lei”, diz.
O presidente da Linade também lamenta o prejuízo que os clubes de tiro estão tendo com as novas medidas do governo. “Já existe uma quantidade absurda de conhecidos que estão fechando empresas e baixando as portas, esperando um cenário melhor, porque é mais barato deixar fechado do que trabalhar. Já dispensei oito funcionários porque não tem como manter. O comércio derreteu 80% e não temos como manter”, lamentou Danfenback, que é proprietário de uma loja de armas e um clube de tiro.
À reportagem, a Confederação Brasileira de Caça e Tiro (CBCT), por meio do diretor de comunicação, Leopoldo Fiewski, descreveu as medidas anunciadas pelo governo como “duras e radicais”.
Recadastramento na PF no prazo de 60 dias é “confusão de leis”
Sobre o recadastramento de armas de uso restrito na Polícia Federal, Danfenback vê a medida como uma “confusão de leis”, já que os calibres restritos são administrados pelo Exército Brasileiro, órgão responsável por regular e fiscalizar o controle de aquisição e registros por meio do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). “A mudança é um imbróglio e uma aberração que não deixa nenhum sentido lógico, sem um quadro juridicamente estável para os CACs”, criticou.
A portaria determina que armas de uso permitido poderão ser registradas pelo site da PF. Por outro lado, proprietários de armamento de uso restrito terão também que apresentar o equipamento nas delegacias da PF – portando a comprovação do registro no Sigma, do Exército.
O presidente da Linade reforça a preocupação com o translado das armas até delegacias da Polícia Federal. “Como você vai fazer para levar essas armas de calibres restritos, na sua imensa e grande maioria fuzis, calibre 5.56, 7.62, carabina ou armas de caça? Qual é a segurança do local? Qual é o sentido de registrar armas já registradas?”, questionou.
Ele aponta, ainda, as longas distâncias de algumas cidades para uma delegacia da PF e o gasto com estadia que alguns teriam que arcar por percorrerem longas distâncias, como elementos prejudiciais aos CACs, em especial considerando que não se tratam de armas sem registro, mas sim que já estavam regularizadas. “O Estado é uno. Existe total harmonia entre essas instituições – é necessário só uma troca de informações [entre Exército e PF]”, diz.
Ainda de acordo com a portaria, o proprietário de armas que não proceder com o recadastramento estará sujeito à apreensão do equipamento e poderá responder por posse e/ou porte ilegal. O documento também menciona que proprietários que desejarem se desfazer do armamento poderão entregá-las em postos de coleta da que serão disponibilizados pelo governo.
Para o deputado Pollon, a portaria fragiliza o direito de propriedade e impõe uma obrigação administrativa. “A consequência é o confisco de bens”, declara. “Querem transformar a incidência do cidadão – que adquiriu o seu armamento na vigência da lei, de forma regular – em crime. Isso é um absurdo, porque a competência legal estipulada pelo Estatuto do Desarmamento é do Exército. Através do decreto e da portaria estão afrontando catastroficamente o texto legal”, prossegue.
Falta de diálogo sobre mudanças nas políticas de armas
O porta-voz da Confederação Brasileira de Caça e Tiro afirma que a entidade tem feito tudo o que está ao alcance institucional para tentar reverter, ou ao menos amenizar os impactos causados pelas determinações do governo Lula. “Já enviamos documentos e questionamentos, nos colocamos à disposição para compor o grupo de trabalho e auxiliar com informações técnicas sobre o tiro esportivo. Também solicitamos ao Ministério da Justiça audiência para tratar tema”, diz o diretor de comunicação da CBCT.
Segundo ele, as medidas do governo impactarão nas competições de tiro esportivo que estão marcadas no calendário nacional e internacional. “Os atletas brasileiros estão treinando e disputando vagas em Olimpíadas, além de participar de campeonatos no exterior representando o país. As regras precisam ser adequadas sob pena de inviabilizar a atividade. Esperamos que o diálogo seja aberto”, destacou Fiewski.
A falta de diálogo do governo com os CACS, aliás, é um dos pontos de maior questionamento pela categoria. “Não tem acesso para diálogo, para explicar a situação. Não somos atendidos pelo governo”, lamenta Marcelo Danfenback.
Créditos: Gazeta do Povo.