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Apesar de decisão de Alexandre de Moraes exigir cópia do que foi “publicizado”, emissora vai fornecer arquivo de vídeo bruto; decisão abre precedente e agora vídeos e áudios sem edição poderão sempre ser requeridos por quem reclamar na Justiça
O Grupo Globo disse em nota que fornecerá os arquivos brutos (completos) das entrevistas que realizou com o senador Marcos do Val (Podemos-ES) sobre as tentativas de anular os resultados das eleições de 2022. Em nota enviada ao Poder360, a emissora disse que não houve “nada em off” na íntegra das gravações.
As expressões “off the record” e “em off” são jargões jornalísticos. Referem-se a algo dito numa entrevista na condição de que a informação não seja divulgada ou, se publicada, que a fonte não seja revelada.
Eis a íntegra da nota do Grupo Globo a respeito da exigência de Alexandre de Moraes feita na 6ª feira (3.fev.2023):
“A Globo vai fornecer as entrevistas publicadas como decidiu o ministro e esclarece que não havia nada em off nas entrevistas de Marcos do Val à “GloboNews”. A entrevista concedida ao ‘Estúdio i’ já havia sido exibida ao vivo na íntegra. E a entrevista a Marina Franceschini, que teve trechos exibidos no ‘Conexão’ e em outros telejornais, não traz nenhuma informação em off na sua íntegra bruta”.
O Poder360 pediu novamente ao Grupo Globo neste sábado (4.fev.2023) que esclarecesse a decisão da empresa. “A gravação em vídeo da entrevista seria fornecida a Moraes na íntegra, ou seja, com o arquivo bruto sem cortes sendo liberado?”
A assessoria da Globo disse que sim, por meio de sua assessoria: “A gente vai entregar as entrevistas na íntegra, cumprindo a decisão judicial”.
Na prática, o Grupo Globo abre um precedente que poderá afetar a forma como se pratica jornalismo no Brasil.
Poderia ter contestado judicialmente a decisão. Mas ao aceitar fornecer o arquivo completo do vídeo de uma entrevista que havia ido ao ar de maneira editada –o que é a praxe em qualquer veículo jornalístico–, a emissora carioca deixa aberta essa possibilidade para quem desejar fazer tal exigência a partir de agora.
Qualquer pessoa, seja uma autoridade ou não, poderá ir à Justiça demandar de jornais impressos, jornais digitais (como este Poder360), revistas, sites, portais, rádios e TVs o acesso aos arquivos brutos de uma entrevista em áudio ou vídeo. O despacho de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, e a aceitação da Globo, sem contestar, servirão de jurisprudência para tribunais de todo o Brasil decidirem da mesma forma.
É comum em entrevistas gravadas que uma fonte peça, no meio da conversa, para dizer algo em reserva, para não ser publicado. Apesar de isso ficar gravado (em áudio ou vídeo), os veículos que atuam no campo do jornalismo profissional respeitam o pedido e não divulgam a informação. Esse direito ao sigilo da fonte está contemplando na Constituição:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
“Inciso XIV – e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
O episódio do fornecimento da entrevista na íntegra, sem cortes, de Marcos do Val cria um novo paradigma.
A partir de agora, poderá ser requerido o arquivo bruto sem cortes de uma entrevista, mesmo que o áudio ou o vídeo contenham alguma informação reservada. Veículos jornalísticos podem ser demandados pela Justiça a liberar o conteúdo completo –e, dessa forma, quebrarão o sigilo da fonte.
Pode ser criada também uma situação esdrúxula. Uma vez demandando a fornecer um áudio ou vídeo completo, um veículo de comunicação poderá contra-argumentar que não tem como liberar o arquivo sem cortes porque no meio há informações reservadas. Seria necessário preservar o sigilo da fonte. Mas nesse caso, por óbvio, já ficaria público que aquele entrevistado teria passado alguma informação na categoria “off the record”.
O Grupo Globo poderia ter se apegado a um trecho ambíguo da decisão de Moraes, que exigiu o seguinte: “A íntegra de quaisquer entrevistas já publicizadas concedidas pelo Senador MARCOS DO VAL”.
O próprio Moraes, em mensagem ao Poder360, disse que nessa sua decisão (que retificou despacho anterior que até estipulava multa de R$ 100 mil à emissora) estava requerendo arquivos de entrevistas “publicizadas”. O verbo “publicizar” existe na língua portuguesa e é às vezes usado por juízes e autoridades. Essa palavra pouco usual e afetada é sinônimo é “publicar”, “divulgar”.
O Poder360 perguntou a Moraes sobre a ambiguidade de sua decisão, que fala em “íntegra de quaisquer entrevistas (…) publicizadas”. Ele não elaborou a respeito do que queria dizer com a expressão “íntegra” e disse apenas estar requerendo arquivos de entrevistas “publicizadas”.
Ao fornecer o arquivo bruto, sem cortes, o Grupo Globo se apega à expressão “íntegra” do despacho de Moraes. Dessa forma, a emissora fica também exposta, a partir de agora, a decisões de magistrados de qualquer Instância que podem passar a exigir que sejam fornecidos arquivos de vídeos de maneira integral, sempre que alguém reclamar à Justiça.
OUTROS VEÍCULOS
Na sua decisão, Moraes pediu os arquivos de entrevistas de Marcos do Val a 3 veículos. Além do Grupo Globo, foram demandados também a emissora de notícias a cabo CNN Brasil e a revista Veja.
A CNN Brasil não quis dar uma resposta oficial, mas o Poder360 apurou que a emissora entregará o material solicitado pelo ministro Alexandre de Moraes. Não está claro se fornecerá trechos que não foram ao ar ou apenas o que já foi transmitido.
A revista Veja não respondeu sobre como vai proceder. O espaço segue aberto para quando houver alguma manifestação.
HISTÓRICO DO CASO
Na 6ª feira (3.fev.2023), Moraes determinou a abertura de uma investigação contra Marcos do Val depois que a PF (Polícia Federal) ouviu o senador na 5ª feira (2.fev).
Na mesma decisão, o ministro decidiu que as emissoras de TV a cabo CNN Brasil e GloboNews e a revista Veja entregassem o conteúdo completo gravado das entrevistas para comparar com o que o senador disse à PF. A determinação também foi imposta à empresa Meta, proprietária do Facebook e Instagram. Eis a íntegra (133 KB).
Segundo o ministro, a ordem dada aos veículos de imprensa foi necessária porque Marcos do Val apresentou 4 versões diferentes sobre a tentativa de golpe.
Em um 1º despacho, as TVs ficaram sujeitas a multa de R$ 100 mil por dia caso não cumprissem a decisão em até 5 dias. Mas o texto da determinação passou por uma revisão e a exigência de multa foi retirada da versão final.
O 2º despacho de Moraes muda o palavreado. O magistrado escreveu que exigia da Veja o “inteiro teor dos áudios já publicizados das entrevistas concedidas pelo Senador MARCOS DO VAL à publicação”. E, de CNN e GloboNews, requereu “a íntegra de quaisquer entrevistas já publicizadas concedidas pelo Senador MARCOS DO VAL”.
O ministro argumenta que por ter escrito a expressão “publicizada”, não estaria quebrando o sigilo da fonte dos veículos jornalísticos.
É uma decisão, portanto, curiosa. Moraes não precisaria pedir esses arquivos de vídeo para as emissoras de TV, pois, como ele escreve, tudo foi “publicizado” e está disponível de maneira aberta nos sites dessas empresas de comunicação.
Somente no caso de Veja o áudio da entrevista publicada teria que ser entregue de alguma forma, pois a revista publicou a entrevista apenas em texto. Ocorre que em veículos impressos as perguntas e respostas são editadas para que ganhem mais clareza ao serem publicadas em texto. Se for atender ao ministro Moraes, Veja terá de decidir se entrega o arquivo de áudio bruto, sem cortes, ou se vai editar o material para que fique idêntico ao que já foi publicado.
O CASO MARCOS DO VAL
Na madrugada de 4ª feira (1º.fev), Marcos do Val fez uma live nas redes sociais afirmando que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou o “coagir” para participar de um golpe de Estado depois da derrota nas eleições contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Essa foi a 1ª vez que o senador falou sobre o caso.
Saiba quem é Marcos do Val, senador que relatou plano de golpe
Durante a transmissão, o congressista também anunciou que a alegação contra o ex-presidente foi detalhada em uma entrevista à revista Veja. A reportagem foi publicada na 5ª feira (2.fev). No mesmo dia (5ª), do Val concedeu entrevista exclusiva a GloboNews.
Nas horas seguintes, o senador se contradisse em várias entrevistas a jornalistas sobre quão ativa havia sido a participação do então presidente na conversa com o ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) –que teve sua prisão decretada por Moraes na 5ª feira (2.fev.2023).
Marcos do Val recuou sobre a declaração sobre a participação de Bolsonaro em entrevista a jornalistas no seu gabinete. Afirmou que a ideia, supostamente apresentada em dezembro de 2022, teria partido exclusivamente do ex-deputado Daniel Silveira e o então presidente teria só ouvido –sem apoiá-la nem contestá-la.
Também na 5ª feira (2.fev), Marcos do Val depôs a PF por mais de 4 horas. Sobre o depoimento, o senador disse ter mostrado aos agentes mensagens de Daniel Silveira cobrando resposta sobre o suposto pedido para gravar Alexandre de Moraes usando uma escuta fornecida pelo ex-deputado da área de “operações especiais”.
Por meio de advogados, Bolsonaro disse que não vai se manifestar sobre as declarações de Marcos do Val.
Em nota à imprensa, o senador e filho do ex-presidente Flávio Bolsonaro (PL-RJ) declarou que “nunca houve qualquer tentativa de golpe”.
“O presidente Jair Bolsonaro é um defensor da lei e da ordem e sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição. Seu mandato presidencial se pautou pelo estrito respeito à legislação e às instituições, mesmo quando setores da mídia tentaram induzir o público a uma imagem diferente. Tanto não houve qualquer tentativa de golpe ou crime, que o presidente Bolsonaro deixou a Presidência em 31 de dezembro”, disse o senador do PL.
Créditos: Poder 360.