A crise entre o Exército e o governo Lula não deve acabar tão cedo.
Há pelo menos dois motivos que apontam para o seu prosseguimento.
O primeiro é que a suspensão da nomeação do tenente-coronel Mauro Cid para chefiar o 1º Batalhão de Ações e Comandos em Goiânia— pedida pelo presidente Lula e rejeitada pelo agora ex-comandante do Exército, Júlio César de Arruda— não é o único ponto de atrito entre o governo e a Força em termos de gestão de pessoal.
Dois outros nomes, cujas atuações nos episódios de 8 de janeiro estão sob análise, tendem a causar fricções de igual ou maior intensidade nessa relação “fraturada”, como descreveu ontem o ministro da Defesa, José Múcio: o do comandante do Batalhão de Guarda Presidencial (BGP), tenente-coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, e o do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefe do Comando Militar do Planalto, um dos oito comandos militares de área do Brasil.
O segundo motivo que tende a alimentar a crise é a forma como o nome do general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que substituiu Arruda no comando do Exército, foi recebida na Força, em especial entre tenentes e capitães.
Desde ontem, quando seu nome foi anunciado, passaram a circular nos grupos de WhatsApp de oficiais textos apócrifos citando supostas interferências do militar com vistas a favorecer a carreira de parentes no Exército. Recortes do discurso feito pelo general na quarta-feira em que ele, diante da tropa formada, defendeu o reconhecimento do resultado das urnas, também foram alvo de crítica da parte de oficiais bolsonaristas.
A escolha do general Tomás não seguiu o critério de antiguidade que havia feito com que, no mês passado, Lula apontasse para o posto o general Arruda.
Por essa régua, o nome do novo comandante do Exército deveria ser o do general Valério Stumpf. Como chefe do Estado Maior do Exército, Stumpf não tem o comando direto de tropas. Já Tomás era chefe do Comando Militar do Sudeste.
Dos dois militares que podem se transformar em novos pivôs da crise entre o Exército e o governo, o primeiro, tenente-coronel Fernandes, chefia o batalhão responsável pela segurança do Palácio do Planalto, invadido e depredado no dia 8.
O segundo, o general Dutra, como chefe do Comando Militar do Planalto, é o responsável oficial pelo envio dos tanques blindados Guarani que impediram o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal de esvaziar o acampamento de bolsonaristas radicais em Brasília na noite da invasão às sedes dos Três Poderes.
O episódio do bloqueio dos tanques, presenciado pelo ministro da Justiça Flávio Dino na noite daquele domingo, foi um dos que mais irritou o presidente Lula, entre as ações e inações do Exército nos episódios de 8 de janeiro.
A pressão do governo pela responsabilização dos dois militares e a resistência do Exército em puni-los deverá ser a próxima tarefa espinhosa a ser abraçada pelo ministro Múcio, que vem fazendo o papel de algodão entre cristais na crise entre o governo e a Força.
No final da tarde da última sexta-feira, o ministro recebeu uma ligação do presidente Lula cobrando dele uma atitude diante da informação de que o tenente-coronel Cid, ex-principal ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, iria comandar uma tropa de pronto emprego num batalhão a 200 quilômetros de Brasília. A resistência do general Arruda em suspender a designação do coronel foi a gota d’água para a sua destituição do comando do Exército.
O presidente Lula soube da nomeação do ex-homem de confiança de Bolsonaro por meio de reportagem do site Metrópoles divulgada na sexta de manhã. A reportagem apontava as suspeitas de que o militar pagava contas da família de Bolsonaro com dinheiro vivo — dinheiro que as investigações apuram se saíam ou não de saques de cartões corporativos.
O batalhão que o tenente-coronel Cid comandaria é uma das pontas de lança do Comando de Operações Especiais, brigada de elite do Exército treinada para operações sensíveis e emergenciais.
Os convites para a posse do coronel no comando do batalhão, marcada para o dia 9 de fevereiro, já haviam sido distribuídos. Agora, caberá ao general Tomás, como novo comandante do Exército, arcar com a revogação da sua designação. Tomás é amigo de longa data do pai de Cid, o general Mauro Cesar Lourena Cid.
Amanhã, o Alto Comando do Exército, colegiado formado por 16 generais quatro estrelas, irá se reunir pela primeira vez sob a gestão do novo comandante. A reunião ocorrerá de forma presencial e é fruto de convocação extraordinária — como é extraordinária a situação em que se encontra a Força.
UOL