Em 2003, o presidente decidiu trabalhar com uma meta de inflação ajustada 2,5 pontos acima do teto fixado
O cabo de guerra do governo Lula com o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, chegou mais cedo do que se esperava e reforça a expectativa de que o presidente da República pretende mudar as metas de inflação na tentativa de brecar o risco de uma recessão econômica.
Há 20 anos, no dia 21 de janeiro de 2003, o governo Lula 1 decidiu trabalhar com uma meta de inflação ajustada de 8,5%, 2,5 pontos acima do teto fixado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).
O cenário em 2003 era de inflação de dois dígitos, diante dos estragos da crise cambial de 2002 fomentada nas eleições em que Lula saiu vitorioso das urnas. Nas simulações feitas pelo BC da época, para alcançar a meta original, teria sido necessário provocar uma queda de 1,6 ponto percentual do PIB.
Agora, o tema volta ao debate, com as críticas abertas feitas por Lula à meta de inflação, ao dizer que persegui-la trava o crescimento da economia. Aprovada pelo Congresso em 2021, a autonomia do BC estabelece, entre outros pontos, mandatos fixos para a diretoria. Essas mudanças, segundo o BC, reduzem a influência política em seus dirigentes, que determinam o patamar da Selic, a taxa básica de juros da economia.
‘Granada no bolso’
Apesar de Lula ter dito na campanha que aceitava a autonomia do BC, e inclusive chamado Campos Neto de “economista competente”, ficou claro o estresse na relação, que fomenta a dúvida nos investidores: o presidente vai trabalhar para tirar o presidente do BC do cargo e reverter a autonomia do banco?
Nesta quinta-feira (19), numa tentativa apaziguadora, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que não há “nenhuma predisposição por parte do governo a fazer nenhuma mudança na relação com o Banco Central”.
“O presidente Lula, na sua experiência de governo, deu plena autonomia ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O presidente não vai mudar de postura agora, ainda mais com uma lei que estabelece regras nesse sentido”, escreveu o ministro no Twitter.
“Campos Neto está fazendo um excelente trabalho, e é um líder global na modernização do setor. Se de fato tem gente pensando em remover Campos Neto, isso seria como botar a granada no bolso e tirar o pino”, disse Armínio Fraga, ex-presidente do BC. Segundo ele, essa situação é um teste de robustez das instituições econômicas — “que já andam para lá de fragilizadas, especialmente as fiscais”.
No Palácio do Planalto, a irritação com Campos Neto estava centrada também no silêncio dele após os atos de 8 de janeiro — problema que o presidente do BC tentou reverter ao condenar ontem, com quase duas semanas de atraso, o movimento golpista em palestra internacional. Na mesma ocasião, defendeu a autonomia do BC.
As declarações de Lula jogam pressão no BC e mostram que a mudança está sendo discutida nos bastidores, então é pouco provável que tenha havido improvisação do presidente. Hoje, a meta de inflação de 2023 está em 3,25% e em 3% para 2024 e 2025. Para ser alterada, precisa do aval do CMN, composto dos ministros Haddad e Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do BC. Tebet seguiu Haddad e também criticou os juros elevados.
“Lula explicita a discussão de dentro do governo e deixa clara a tendência de eventual mudança da meta”, diz o ex-diretor do BC José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV. Na sua avaliação, uma eventual elevação da meta de inflação pode não dar o resultado esperado na redução do que ele chama de “verdadeira” encrenca para o governo, que é a taxa de juro real muito alta, neste início do ano, de 8,2%.
“É um tiro no pé. O juro real não vai cair se mudar a meta”, prevê. Para Senna, os juros elevados incomodam o governo, que tem pressa de retomar o crescimento, diante do ambiente político conturbado. Ele lembra que Haddad, ao apresentar o seu plano fiscal, disse que se tratava de uma carta ao BC.
R7