Homem acusado de roubo de carga milionária, com pena de 22 anos, quase foi solto após a penitenciária ter recebido documento adulterado
Um alvará de soltura falsificado enviado à Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP), na tentativa de libertar um detento, em dezembro, acende o alerta para a possibilidade de que criminosos estejam sendo soltos por meio desse tipo de documento adulterado, sem ter cumprido a pena estipulada. A fraude teria sido idealizada pela facção criminosa PCC para libertar Marcelo Ferraz, conhecido como “Capim”, suspeito de roubar 750 kg de ouro do aeroporto de Guarulhos, em 2019.
Para um policial civil e especialista em ciências policiais, a “falsificação de alvará de soltura é mais comum do que deveria”. O homem, que há anos investiga a atuação da facção e preferiu não ser identificado, disse ao R7 que as autoridades que atuam na prisão de Presidente Venceslau conseguiram identificar o documento falso, mas “nem sempre isso acontece”. “A consequência disso é o criminoso, que deveria passar anos cumprindo pena, na rua”, afirmou.
O caso de um ex-recluso considerado de “alta periculosidade” pela Justiça Federal de Goiás é um exemplo citado pelo especialista. Leomar Oliveira Barbosa, apontado como braço direito de Fernandinho Beira-Mar, suspeito de comandar a segunda maior facção criminosa do Brasil, o Comando Vermelho, foi solto após a penitenciária onde ele estava ter recebido um alvará falsificado. Somadas as penas, Barbosa deveria cumprir mais de 22 anos de prisão. Mas, desde que foi solto por engano pela administração do presídio, está foragido.
“Eles forjaram um mandado de soltura, que é o alvará, e, o pior, alguém entrou no sistema da penitenciária de Formosa, em Goiás, e apagou os dados. Então, quando chegaram com o documento forjado com a assinatura do juiz, não teve como segurar o cara”, explica o especialista.
O policial civil afirma que é difícil identificar um alvará de soltura falso, pois é necessária uma observação atenciosa da página.
No caso do documento recebido pela penitenciária de Presidente Venceslau para a soltura de “Capim”, as autoridades perceberam que o alvará era falso ao ler na página “Vara Cível” em vez de “Vara Criminal”, que é o correto.
Para o especialista em ciências criminais que afirma que esses erros ocorrem bastante, o necessário seria uma comunicação integrada entre a polícia penitenciária e o Poder Judiciário.
Além disso, ele cita a importância de ter uma lista com a classificação dos criminosos considerados mais perigosos, como Marcola, apontado como o principal chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Processos realizados para um detento obter um alvará de soltura
Em entrevista à reportagem, o advogado criminalista Roberto Guastelli explicou como funcionam os processos para se obter um alvará de soltura. O primeiro passo, segundo ele, é o advogado do detento acionar a Justiça com um pedido de liberdade provisória, que é o alvará.
Essa declaração pode ser solicitada também durante o habeas corpus (medida judicial que protege o suspeito quando ele é ameaçado de alguma forma) perante um Tribunal de Justiça, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou o STF (Supremo Tribunal Federal), “a depender da instância”, explica.
O juiz, então, analisa o processo e pede ao Ministério Público que se manifeste. Com a decisão judicial que concede a liberdade, é expedido o alvará de soltura.
Guastelli ressalta que, em alguns casos, esse documento pode ser expedido antes mesmo do julgamento do detento. “Não é necessário aguardar o processo, porque, às vezes, a pessoa é presa em flagrante ou temporariamente, então o advogado pode entrar com um pedido de revogação ou de relaxamento dessa prisão”, afirma.
O advogado criminalista ainda explica que, atualmente, a maioria dos processos é digital e contém a assinatura eletrônica do juiz. Segundo ele, apesar de ser um sistema “99,9% seguro”, é necessário que sempre sejam checados os sites dos órgãos responsáveis.
“A pessoa pode ter dois mandados de prisão, consegue o alvará de um e no outro ela continua presa, e não há essa checagem”, exemplifica. “É necessário que as autoridades responsáveis verifiquem com o fórum, no Tribunal de Justiça e no Banco Nacional de Mandados de Prisão.”
Ainda segundo Guastelli, o responsável por enviar o documento que vai permitir a liberdade de determinado detento é um escrevente do fórum. “O advogado da pessoa também pode encaminhar o alvará para a penitenciária caso a decisão esteja registrada digitalmente”, afirma.
Quem é o responsável pelo envio desse documento à penitenciária e quais as consequências para a pessoa que falsifica o alvará?
Em nota, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) informou que, “quando a decisão de liberdade é proferida em segunda instância (por exemplo, habeas corpus no TJSP), o cartório do segundo grau em regra comunica ao cartório da primeira instância por meio eletrônico, para que o alvará de soltura seja expedido e assinado pelo juiz de primeiro grau”.
Depois do envio, o diretor do sistema carcerário deve olhar o documento, fazer a checagem necessária e ver se o alvará cumpre todos os requisitos.
Ainda segundo o TJ, a Secretaria de Administração Penitenciária possui “acesso amplo” ao conteúdo dos processos no sistema SAJ, para a conferência do documento. “Os alvarás de soltura devem ser cumpridos em até 24 horas.”
Em caso de falsificação, explica o defensor, será aberto um processo criminal para encontrar o responsável pela expedição do alvará adulterado. “Pode ser o próprio advogado do detento, ou não”, explica.
No Rio de Janeiro, uma advogada foi presa por usar um alvará de soltura falso, em agosto do ano passado. De acordo com as investigações, a mulher fazia parte de uma quadrilha especializada nesse tipo de crime.
Em nota, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) informou que a Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penitenciárias) é o órgão subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que cuida de casos do tipo. A reportagem entrou em contato com a secretaria, mas, até o momento, não obteve retorno.
R7