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A criação de uma moeda comum para os países que compõem o Mercosul tem sido noticiada nos últimos dias após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, discutirem o tema em um encontro no início da semana.
A ideia de uma moeda conjunta do bloco não é nova. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia abordado o tema no seu mandato anterior como chefe do Executivo, assim como o ex-ministro da Economia Paulo Guedes ponderou discutir o assunto durante o governo de Jair Bolsonaro.
Mas o propósito de conceber uma moeda única dentro da Mercosul é ainda mais antigo. Alguns economistas defendiam em 1999, ano da implementação do euro na União Europeia, uma unificação monetária para os países-membros do bloco, assim como aconteceu na Europa no final do século XX.
No entanto, a ideia não foi para frente e sofreu algumas alterações ao longo do tempo até as discussões mais recentes. Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre e um dos economistas que pensou uma integração monetária na virada do século, afirmou à CNN que a volta da temática é “perda de tempo”.
Segundo Giambiagi, a falta de planejamento desde que o debate começou e as situações econômicas atuais de Brasil e Argentina impedem o avanço de um projeto sólido neste momento.
Mas como funcionaria?
Com a unificação monetária europeia como exemplo, a discussão que ocorria no fim do século XX e no início do século XXI era para criar uma moeda única do Mercosul. Porém, com a inflação argentina chegando a 100% ao ano, em detrimento de uma luta mais controlada contra a alta de preços no Brasil, e a independência do Banco Central (BC) brasileiro, Giambiagi argumentou que essa proposta não deve nem passar à mesa.
O que a equipe econômica de Fernando Haddad parece estudar é outro modelo: os países manteriam suas próprias moedas (real, peso..) e haveria a criação de uma moeda apenas para transações comerciais entre os países do Mercosul.
“Essa parece ser uma possibilidade, mas é algo totalmente sem sentido, pois essa moeda de troca já existe, é o dólar”, afirmou Giambiagi. “O Brasil vai enfrentar uma série de problemas que precisam ser resolvidos na agenda econômica, então para quê envolver uma discussão dessa e criar uma espécie de dólar do sul? Para quê reinventar a roda?”, questiona o pesquisador.
O objetivo, de acordo com o embaixador Scioli, é fortalecer o bloco comercial e ampliar o vínculo entre os países da região. “Como disse o presidente Lula, fortalecer o Mercosul, ampliar a união latino-americana, é muito importante”.
O projeto vai sair do papel?
Segundo especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, a ideia não deve avançar. “Se quiser ter uma moeda única dentro do Mercosul, precisa saber se ela vai valer nos países ou só para transações comerciais do bloco. Caso contrário, isso nunca vai acontecer”, pontuou Roberto Dumas, professor de Economia Internacional do Insper.
Já de acordo com o jurista Ives Gandra, conceber uma moeda única demanda tempo para a estruturação de modelos econômicos e implementação de dispositivos que permitam a adesão monetária dos países.
“Se compararmos com a Zona do Euro, as discussões para a criação da moeda única começaram lá na década de 50. Em seguida foram implantadas as zonas franca, de livre comércio, aduaneira e mercado comum. A partir daí, com um parlamento forte, foi criado uma comissão capaz de dirigir os trabalhos, além de um conselho e um tribunal europeu”, lembrou.
A posição também é defendida Fabio Giambiagi, que ressaltou ainda a diferença de indicadores e parâmetros econômicos que existem entre Brasil e Argentina. “No Mercosul não existem muitos países envolvidos como na União Europeia, então não levaríamos cinco décadas de aperfeiçoamento do projeto”, disse.
“Mas temos que ter um ponto de partida com discussões sérias e minimamente aceitáveis. O IBGE buscou seu semelhante argentino para definir métricas de inflação? E os banco centrais? A discussão só pode voltar à mesa se a Argentina arrumar a casa daqui a alguns anos e o Brasil chegar à meta de inflação de 3%”, concluiu.
Moedas únicas em outros lugares do mundo
Apesar de o euro ser o caso mais lembrado e bem-sucedido, a moeda não é a única no mundo com as características de unificação. Há um caso mais próximo do Brasil e da Argentina do que o do Velho Continente. Trata-se do dólar do Caribe Oriental, adotado por oito países.
O dólar do Caribe Oriental é indexado ao dólar, com uma taxa de câmbio fixa. Os países que aderem à moeda são: Anguila, Antígua e Barbuda, Dominica, Granada, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas e Montserrat.
Há também exemplos de moedas únicas no continente africano. Uma deles é o franco CFA da África Ocidental, composto de oito países, enquanto a outra é chamado de franco CFA da África Central, composta de seis nações – todas com origens ligadas à substituição de moedas usadas durante a colonização por países europeus.
O franco CFA da África Ocidental é usado em Benim, Burkina Faso, Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Mali, Niger, Senegal e Togo. Já o franco CFA da África Central é a moeda de Gabão, Chade, República do Congo, República Centro-Africana, Guiné Equatorial e Camarões.
Créditos: CNN Brasil.